No bote de João Lau, no Rio Jundiaí, da esquerda para a direita: Ernane Alecrim, José Inácio e Cornélio Leite. (Foto José Muniz)
A voz da saudade transcende o espírito e reflui no coração, parecendo a voz de outra voz jamais perscrutada. A saudade às vezes tenta um giro no crepúsculo para refugiar-se na dobra de alguma violeta a florir no silêncio. Mas logo volta, saltitando na leveza de um meneio, por entre folhas mortas esquecidas pelo vento varredor; parece uma esperança no abandono da relva.
Imbuído desta saudade dolente, relembro meu amigo José Inácio de Souza Neto, que foi um dos mais raros e fascinantes tipos humanos de Macaíba, uma alma tocada pela santidade, se esta se compuser, como eu imagino, de bondade e de bravura, de bonomia e de desprendimento, de generosidade e delicadeza.
Nascido em Palmares, no Estado de Permanbuco em 18 de janeiro de 1921, seu pai, Tanus Nasser, era imigrante sírio-Libanês casado com a pernambucana Elvira Mineiro de Souza. Bem cedo José Inácio transferiu-se com seus pais e sete irmãos, para a cidade de Macaíba. Aqui estudou no Grupo Escolar “Auta de Souza” e com o professor Paulo Nobre.
Entre os anos de 2001 a 2004, raros os domingos que ao sair da missa não sentava na calçada de sua casa, na Rua da Conceição e então ele invariavelmente me saudava dizendo: “A casa de Conceição hoje tava animada!”. Ficávamos horas conversando sobre Macaíba, os fatos marcantes de sua juventude e relembrando os feitos de nossos conterrâneos, até minha mãe ligar me chamando.
Emergiam da memória privilegiada de Seu Zezinho, o “Exército Independente de Macaíba”, força militar da “República Independente de Macaíba” da qual, dizia-me que ainda adolescente, pertencera galgando o posto de coronel. E o que era, na verdade, essa República e esse Exército? Falou-me que era uma organização criada pelo “General” João Cavalcanti de Albuquerque – Joãozito, e que arregimentava a mocidade daquela época em treinamentos militares.
Em seguida, alistou-se no Tiro de Guerra de Macaíba, que igualmente a outros que existiam pelo Brasil, era uma organização que treinava jovens militarmente. Finalmente, José Inácio alistou-se ao Exército, sendo combatente.
Retirando-se das Forças Armadas, abriu seu próprio negócio – uma loja de tecidos – e casou com Duvina de Castro Leiros em 1944, com quem teve Écia, Evânia, Eneide e Paulo (Pabel); pai de minha amiga Paulinha Leiros.
Seu Zezinho me disse, em um daqueles domingos, que conheceu uma antiga zeladora da Matriz, que comentava “essa igreja não é mais a mesma. No tempo do Comendador Umbelino, quando ele e a mulher entravam na igreja, as pessoas em respeito, numa reverência, curvavam-se saudando-lhes”.
Relembrava saudoso, personagens de outrora, figuras vivas do passado distante; homens públicos, comerciantes, fazendeiros, professoras e muitos outros que compunham o universo de suas saudades. Assim reapareciam, revestidos de elogios seus amigos Oto Feitoza, Chico Moura, Edison Alecrim e Silva, Ernane Alecrim, Leirinhos, Wilson Leiros, Seu Campos, Joca Leiros, Erneide Magalhães, Cícero e Tota Pessoa entre outros tantos.
Interessante foi a sua participação numa audiência pública na Câmara Municipal, na qual discutia-se o apoio da prefeitura para as quadrilhas juninas e seu Zezinho, solicitando a palavra disse: “acho interessante essas coisas de pedir dinheiro para tudo a prefeitura. No meu tempo agente fazia todas as festas da maneira mais simples, sem perturbar ninguém, e creio que foram as melhores já ocorridas nesta cidade, sem a concorrência financeira da municipalidade”. Um silêncio reverencial tomou o ambiente. Todos sabiam que ele estava com a razão.
Em 2003 juntamente com Marcelo Augusto estive com seu Zezinho, pois fomos solicitar doação de algumas fotos de Macaíba que julgasse importante, para compor a sala que leva seu nome no Museu Ferreiro Torto, do qual eu era diretor. Após isso, conversei algumas vezes com ele pelo telefone quando se encontrava na residência de sua filha Écia, vindo a falecer em 16 de maço de 2004.
Com base em um requerimento que dirigi ao vereador Silvan de Freitas Bezerra, foi sancionada pelo prefeito Fernando Cunha Lima Bezerra a Lei n° 1377, de 13 de dezembro de 2007 que denomina de praça José Inácio de Souza Neto, o espaço que fica fronteiriço ao terminal rodoviário do município.
José Inácio de Souza Neto ou simplesmente seu Zezinho foi um homem capaz de colocar em ação suas próprias idéias. Um homem que não receava contrariar quem quer que fosse desde que pudesse ser fiel a si próprio e às causas que sempre defendeu. Sempre que passo em frente a sua casa, ainda mantida pelos herdeiros, lanço um olhar retrospectivo reavivando o amigo José Inácio que era um homem límpido, transparente, verdadeiro e puro, que nos deixou o legado da sua honradez.
Como sobrinha "afim" de Zé Inácio (sou filha de uma irmã de Duvina)agradeço a homenagem e o carinho que você Anderson dedicou à ele.
ResponderExcluirParabéns pelo Blog. Muito interessante.
Um abraço,
Marlei
Marlei (Leiros) Martins Rodrigues
Caro Anderson, no seu ótimo artigo sobre José Inácio, meu irmão, faço apenas um reparo: ele nasceu em Palmares, Pernambuco, e não Alagoas. Cordialmente, Nássaro Nasser.
ResponderExcluirCaro Anderson,
ResponderExcluirParabens pelo excelente texto. Me faz, sempre, voltar as origens. E muito obrigado por publicar a foto de meu pai junto a Seu Zé Inacio. Um grande abraço, do Karl Mesquita Leite, Natal, RN
Anderson, quanta emoção senti ao ler seu artigo. Obrigada pela homenagem e por todas as lembranças que agora passam pela minha mente. Um Beijo Carol Leiros
ResponderExcluirTambém contemporâneo de seu Zezinho. desfrutei da sua atenção. Pessoa doce, agradável, aprazível. Sinto saudade, também, de José Inácio. Batista Pinheiro.
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