quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Francisco Freire da Cruz

Francisco Freire da Cruz

Mausoléu de Francisco Freire da Cruz na Matriz de Macaíba


Essa semana, chegando para a missa, contemplei o mausoléu do jovem Francisco Freire da Cruz, nome de rua em minha terra, Macaíba. Em 2010, completou-se o centenário da sua morte, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Esse esboço procurará evidenciar a curta trajetória do macaibense, falecido ainda tão jovem e que até hoje continua reverenciado em sua aldeia.

A família Freire chegou a Macaíba durante a corrida comercial que se verificou com a fundação da feira e do povoado por Fabrício Pedroza. O patriarca da família, Manoel Joaquim Freire, oriundo de São José de Mipibú, chegou na florescente povoação já casado com Inês Emiliana Freire, sua parente.

Dentre os muitos filhos provenientes destas núpcias, contava-se Isabel Freire que casou com Francisco Severiano da Cruz e tiveram os seguintes filhos: Isabel Freire da Cruz (Madrinha Beleza) e Francisco Freire da Cruz, nascido em Macaíba aos 09 de fevereiro de 1881.

D. Isabel Freire da Cruz foi a primeira mulher em Macaíba a possuir um comercio. Seus negócios constituíam-se de um armazém que vendia ferragens e de uma loja que comercializava roupas e chapéus no melhor estilo francês. Ao falecer deixou uma considerável fortuna que foi administrada pelo pai, Manoel Joaquim Freire, tutor dos netos, que não raro respondia em juízo os desvios de dinheiro da herança.

Desde muito cedo, Francisco da Cruz destacou-se no meio social de sua cidade, participando do Grêmio Literário “Tobias Barreto”, escrevendo poesias e crônicas para diversos periódicos do Pará, do Rio de Janeiro e de Natal, notadamente “A República”, do qual foi correspondente em Macaíba. Foi um orador solicitado nas diversas manifestações públicas ocorridas na cidade.

Tão logo alcançou sua maioridade civil, Francisco da Cruz requereu ao juiz de direito de Macaíba a sua parte na herança materna, com o objetivo de entrar numa faculdade. O jornal “A República”, de sábado, 14 de maio de 1904, traz uma nota de despedida de Francisco da Cruz que estava de viagem para a cidade de Fortaleza, no Ceará, para estudar Direito. Não consegui maiores informações sobre a vida de Francisco da Cruz na capital cearense, o certo é que mudou de lá para Belém do Pará e, posteriormente, para o Rio de Janeiro onde deu continuidade aos estudos, ao que tudo indica, interrompidos anteriormente, por motivos de saúde.

Ainda em Belém, Francisco da Cruz casou-se por procuração com uma jovem carioca chamada 
Praxedes Ovalle, pertencente a uma nobre família chilena, fato que ensejou sua mudança para o Rio de Janeiro onde passou a residir na rua das Laranjeiras 398, bairro do Flamengo, envolveu-se com o Instituto dos Surdos Mudos e com a Sociedade Nacional de Agricultura, além de ter dado continuidade aos seus estudos em direito. Era quartanista quando faleceu devido um “excesso de gripe” no dia 10 de agosto de 1910. Eis o termo de óbito de Francisco da Cruz:

N. 741. Aos dezesseis dias de agosto de mil novecentos e dez, nesta Capital Federal, em cartório compareceu Godofredo Coelho, com vinte e seis anos de idade, solteiro, do comercio, morador a Rua das Laranjeiras 398 e exibindo atesto do doutor Miguel Couto declarou que (...) na casa referida faleceu hoje a uma hora da madrugada seu cunhado Francisco Freire da Cruz, filho legitimo de Francisco Severiano da Cruz e de dona Isabel Freire da Cruz, branco, com vinte e oito anos e acadêmico de direito, do Rio Grande do Norte. Casado com Praxedes Ovalle da Cruz, não deixou filhos, vai ser sepultado no Cemitério de São João Batista e nada mais disse e lido assina. Eu, Oscar Borges escrivão juramentado escrevi. Olympio da Silva Pereira. Oscar Borges. Godofredo Coelho. (Livro de óbitos n. 56, da 4ª Circunscrição do Rio de Janeiro (Flamengo), p. 149v).

Sua morte tão prematura abalou a todos. Foi sepultado no mesmo dia, as 17:00 horas, no cemitério de São João Batista, onde o acadêmico Celso Lemos proferiu discurso de despedida. A Faculdade de Direito do Rio de Janeiro ficou em luto por oito dias. Posteriormente, D. Isabel Freire da Cruz (Madrinha Beleza), trouxe os restos mortais do pranteado irmão e sepultou-os no mausoléu da família, na matriz.

Em Macaíba, terra natal de Francisco Freire da Cruz, existia no Largo das Cinco Bocas um cruzeiro, erguido por volta de 1880, que significava o marco zero da cidade. Por isso, a artéria que segue daquele ponto para oeste da cidade, era chamada de Rua da Cruz. Aproveitando o topônimo, a Intendência Municipal determinou homenagear o jovem Francisco, que era Cruz, sem retirar o antigo e histórico nome. Assim, até os presentes dias, os macaibenses ora dizem Rua da Cruz, ora Rua Francisco da Cruz.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ciência brasileira é tema da principal matéria da prestigiosa Science

Ter trabalho mencionado ou publicado na Science é o sonho de todo cientista. Pudera. Publicada pela Associação Americana pelo Avanço da Ciência, é a mais prestigiosa revista de ciência do mundo, ao lado da Nature, inglesa.

A triagem é rigorosíssima. Os critérios para publicação, científicos, mesmo.

Imaginem ser o tema de uma reportagem de seis páginas. É o supra-sumo.

Pois a edição 331 da Science, que começou a circular no dia 06-12-2010, dedica seis páginas à ciência brasileira. É a principal reportagem da edição. Nessa magnitude, é a primeira vez que isso acontece na publicação que já teve como um dos seus editores o genial Thomas Edison (1847-1931), criador da lâmpada elétrica, do fonógrafo e do projetor de cinema, entre outras invenções.

A reportagem começa e termina por Natal (RN). Mais precisamente em Macaíba, que sedia o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lilly Safra, mais conhecido como Centro do Cérebro, implantado pelos neurocientistas Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro.

A reportagem destaca também, entre outras, as pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Petrobras e da Amazônia. Sinceramente emocionante. Uma demonstração clara de que:

1) Lá fora, estão de olho no que se faz aqui.

2) É preciso mudar o modo de gestão científica no Brasil.

3) A Universidade de São Paulo, apesar de ter grande produção científica, está perdendo espaço. Nenhuma pesquisa da USP foi destacada. Sinal de alerta de que há algo errado.

4) O que o Brasil está fazendo em termos de ciência tem sentido.

5) A visão do Centro de Natal de que ciência é agente de transformação social convenceu até os gringos, apesar de ela ainda sofrer resistência e bombardeio de setores da academia brasileira.

A propósito, todos os aspectos da Ciência Tropical estão no artigo da Science. Sinal de que ela é futuro.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Engenho Guaporé e Solar São Francisco

Solar São Francisco, antiga residência do Barão de Ceará-Mirim. Fotos: Anderson Tavares

Cemitério do Solar São Francisco, onde se encontram enterrados os Barões de Ceará-Mirim.

Vista do engenho Guaporé.


Entrada do engenho Guaporé.














Durante uma visita de estudos à histórica cidade do Ceará-Mirim, situada na região metropolitana de Natal, verifiquei com o professor Cláudio Galvão e o pesquisador e bibliófilo Wandyr Villar, o descaso governamental em relação ao monumental prédio do engenho Guaporé. O que está ocorrendo ali é uma violência contra o povo do Rio Grande do Norte, tendo em vista que o palacete do Guaporé está sob a imediata “proteção” do Estado.


O casarão está em completo abandono. Suas portas e janelas constantemente abertas, porque quebradas pela ação de vândalos e criminosos. Os salões sujos e pichados. A antiga escadaria destroçada. Foi triste ver o Guaporé mergulhado na sua lenta agonia. Está perecendo, brutalmente, uma página da história potiguar a exemplo do casarão dos Guarapes, na minha terra Macaíba.

Pude averiguar o misto de angústia e ansiedade que o amigo Gibson Machado, professor e memorialista do Ceará-Mirim, sente ao visitar àquela jóia preciosa da história de sua terra. Ele que é um verdadeiro batalhador na divulgação de sua terra e da sua gente.

Diante de tanto descaso, deparamo-nos com uma iniciativa do resgate do Solar São Francisco, residência dos barões do Ceará-Mirim, hoje integrada a Usina São Francisco e cujo proprietário está realizando um trabalho de restauro da casa.

Fica aqui registrado a nossa revolta diante do descalabro cometido contra o nosso patrimônio histórico arquitetônico, unindo a nossa voz a tantos outros que já escreveram sobre o estado degradante que se encontra o Guaporé, e agradecendo a Deus a saída dessa gente irresponsavelmente inerte e renovando esperanças no governo vindouro, para que seja o restaurador da nossa dignidade histórica-patrimonial.








domingo, 5 de dezembro de 2010

A primeira festa da padroeira de Macaíba

Imagem de Nossa Senhora da Conceição após procissão

A festa de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Macaíba, completará o seu sesquicentenário em 2011. Apresentaremos aqui um relato inédito de como Nossa Senhora da Conceição foi designada padroeira do nascente povoado da Macaíba, fato que ensejou a realização da primeira festa da padroeira e constitui uma das passagens mais belas e emocionantes da história local.

Dos 32 filhos de Fabrício Pedroza havidos de seus três casamentos, Maria Terceira da Silva Pedroza (Terceirinha), fruto do primeiro matrimônio do patriarca macaibense, deixou para deleite de sua família (hoje uma fonte para historiadores) um caderno de notas intitulado: “Aos Meus”, no qual traz a baila uma série de esclarecimentos concernentes a história de Macaíba. Trata-se de um depoimento inédito de valor histórico, antropológico e sociológico que nos permite visão e comentário em torno dos aspectos mais interessantes da nossa cidade, naqueles velhos tempos.

Os cadernos foram milagrosamente guardados no acervo da sobrinha-neta, Sophia de Lyra Tavares, no Rio de Janeiro, de onde retirei várias observações sobre a história de Macaíba.

Um dos apontamentos diz respeito ao translado da imagem da padroeira Nossa Senhora da Conceição da comunidade de Guarapes para o povoado da Macaíba. Sabemos que em 1858, Fabrício Gomes Pedroza e sua terceira mulher Luiza Florinda Pedroza, numa cerimônia festiva, lançaram a pedra fundamental para a construção da capela do povoado e prometeram a doação da imagem da Imaculada Conceição da qual eram devotos. Com o crescimento do lugar era preciso alimentar material e espiritualmente o povo que para ali estava de mudança. Os trabalhos da construção do templo prosseguiram lentamente, sempre com o auxilio material de Fabrício Pedroza e família.

Em 1861, Antônio Pessoa de Araújo Tavares, marido de Guilhermina da Silva Pedroza, filha de Fabrício Pedroza, tendo empreendido viagem de negócios a Corte (Rio de Janeiro), trouxe uma imagem de Nossa Senhora da Conceição para sua esposa. O casal estava se preparando para uma temporada em seu engenho “Marotos”, localizado na cidade de Nazaré da Mata, província de Pernambuco, quando Guilhermina mostrou-se preocupada com o fato da capelinha da Macaíba encontrar-se sem um orago.

São notas de Terceirinha: “Acordaram as manas Guilhermina e Feliciana que o vulto da Imaculada Conceição, comprada na corte pelo meu cunhado Antônio Tavares para presentear a Guilhermina, deveria, com o consentimento do nosso pae, ser imediatamente sagrado como orago da capela em construção na Macaíba".

Maria Terceira da Silva Pedroza (Terceirinha)

Entre os dias 06, 07 e 08 de dezembro de 1861, as irmãs, Guilhermina Tavares, Terceirinha, Josefa Pedroza, Feliciana Maranhão, Ignêz Generosa Tinôco, Maria Militina Tavares, Cândida Minervina Tavares, Maria Elvira Pedroza, Maria da Cruz Pedroza, Joaquina Pedroza, Luiza Pedroza e Áurea Pedroza, auxiliadas por um séquito composto das moradoras de Guarapes, Carnaubinha, Jundiaí e Macaíba, organizaram a procissão do translado.

Segundo Terceirinha: “todas as mulheres trabalharam o arranjo da carruagem que transportaria o vulto da Imaculada Conceição, colhendo nos jardins as flores e rosas mais bonitas que comporiam o cenário. Acertamos que vestir-mos-ia o branco e azul, trazendo os adoremus e terços votivos. Todos os cabrioles, tilburis e demais carros foram solicitados e transportaram enorme quantidade de senhoras e senhorinhas amigas nossas, que se irmanaram no propósito firmado por minhas irmãs”.

E os homens? Estes deliberaram a doação dos Santos Cosme e Damião e organizaram um cortejo que partiu do Engenho Jundiaí (também propriedade dos Pedrozas) e encontrariam as mulheres no alto do Ferreiro Torto. Todos elegantemente trajados “de cartola e fraque”, montados em garbosos cavalos de sela, “traziam nos braços fitas azuis e brancas e medalhas da Senhora da Conceição em suas lapelas”.

Um altar com as imagens de Cosme e Damião e da Senhora Santana foi montado previamente na passagem do Ferreiro Torto onde rezavam, aguardando. “misturavam-se os empregados negros e brancos, meninos e jovens, liderados ao passo lento do cavalo de papai e de meus irmãos e cunhados”. Distinguia-se entre outros homens: Antônio Alecrim, Delmiro Carneiro de Mesquita, João Evangelista de Vasconcelos Lima, Vicente de Andrade Lima, Feliciano de Lyra Tavares, Ismael César Duarte Ribeiro, Manoel Modesto Pereira do Lago e Manoel Joaquim Teixeira de Moura.

O Cortejo era guiado por Fabrício Pedroza, os filhos Francisco Pedroza, Inácio e Francisco Pedro Bandeira de Melo Neto; os genros Amaro Barreto Maranhão, Antônio, Francisco e Miguel Tavares e João Juvenal Tinôco.

Ao se encontrarem, as procissões confraternizaram e seguiram pelas ruas de chão batido e com os poucos lampiões existentes, que queimavam azeite de mamona, entoando cânticos de glória e louvor a Nossa Senhora da Conceição, Santos Cosme e Damião. As poucas residências por onde iam passando, estavam enfeitadas com flores e o povo em suas melhores roupas ia se juntando a procissão, contritos de fé e abraçando sua padroeira.

A imagem de Nossa Senhora da Conceição seguiu em uma carruagem de quatro cavalos conduzida por Nhá Maroca, Judite, Mãe Luiza Pedroza, Guilhermina Tavares, Feliciana Maranhão e Ignêz Tinôco, além dos anjinhos Maria da Cruz, Joaquina, Áurea e Luiza Pedroza.

Luiza Pedroza, coroou pela 1ª vez a imagem de Nª Sª da Conceição

Chegando ao terreiro da igreja, já se concentrava muitas pessoas e devido o tamanho da capela, entraram as irmãs e os religiosos que depois de sagrarem a imagem como orago, “deu-se o coroamento da Imaculada Conceição em presença da multidão por minha pequena mana Luiza, que esteve bela. Depois do que uma enorme salva de palmas irrompeu do povo presente. Essa foi a primeira festinha que se deu em honra a excelsa Imaculada Conceição de Maria. Feliz o povoado que nasce sob a proteção de tão boa mãe e rainha”.

Após a cerimônia e mesmo durante a chegada do préstito houve inúmeras girândolas e músicas tocadas por uma banda vinda de Natal. Organizaram-se várias barraquinhas onde serviam as comidas típicas, algumas hoje quase desconhecidas: os pastéis de carne de porco, o chouriço, os doces secos, os sequilhos, as castanhas de caju confeitadas. Uma enorme mesa foi posta e todos tomaram parte nela, assistindo aos festejos seguintes que durariam até a manhã seguinte.


A festa profana, por esse tempo, era mais viva e reunia todos os folguedos da região. Assim, os homens organizaram corridas de argolinhas e apresentação de pastoril. A autora refere ainda que saíram às ruas o maracatu, o batuque e o Bumba-meu-boi, folguedo da preferência de Fabrício Pedroza.Embora Jundiaí e Guarapes tivessem Nossa Senhora da Conceição como padroeira, esse depoimento apresenta a primeira manifestação religiosa especificamente ligada a festa da padroeira de Macaíba, que em 2011 completará 150 anos.