quarta-feira, 30 de novembro de 2022

O corpo e o mausoléu de Augusto Severo

 

Diante da aproximação da exumação e do traslado do corpo de Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, do Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro, para o Cemitério de São Miguel, em Macaíba, Rio Grande do Norte, algumas pessoas perguntam-me sobre os acontecimentos post mortem do aeronauta macaibense em Paris e o seu traslado da capital francesa para o Brasil.

Após a explosão do balão dirigível Pax, o corpo de Augusto Severo foi embalsamado pelo renomado Dr. Bensande e envolvido num retalho da seda do envoltório do balão, sendo conduzido para a sua residência em Paris, à Rua Galilée, nº 63, onde permaneceu entre os dias 13 e 16 de maio, em câmara ardente montada na pequena sala de visitas.

No dia 17 de maio de 1902, foi celebrada a primeira missa de corpo presente em memória de Augusto Severo, na igreja de San Pierre de Chaillot. Após a missa, o corpo do aeronauta foi depositado no cemitério de Passy, onde ficou até o embarque para o Brasil, depositado no jazigo da família do Visconde Ferreira de Almeida.

Em 29 de maio de 1902, partiram da gare Quai d’Orsay, em Paris, Nathália Severo, seus filhos e Palmira Cassina, sua irmã, com destino ao porto de Bordéos. Por fim, a 30 de maio de 1902, o paquete Brésil, da Companhia Messageries Maritimes seguiu de Bordéos com destino ao Brasil, aonde chegou no dia 16 de junho de 1902.

O nome de Augusto Severo figura para sempre na história social parisiense, sendo um dos brasileiros que nomeia rua, junto com Santos Dumont e Marielle Franco, que é nome de um jardim público.

Chegando ao Brasil, o corpo de Augusto Severo foi recebido por Augusto Tavares de Lyra e levado para a capela do Arsenal de Guerra, carregado por homens da maruja do Arsenal, e colocado sobre um catafalco, “ricamente paramentado e rodeado de tocheiros e de inúmeras coroas, tendo na sua cabeceira um crucifixo de Jacarandá e prata, organizado por seu irmão o Senador Pedro Velho e que pertencera a sua veneranda mãe”.

Nesse momento, os parentes e amigos presentes, desejando ver o morto, pediram para ser aberto o caixão de “madeira branca, envernizada, dentro do qual havia um outro de zinco hermeticamente fechado”.

Caixão de Augusto Severo depositado no catafalco da Capela do Arsenal, no Rio de Janeiro.

Não sendo encontrada a chave do esquife de madeira, foi este arrombado e então, por um quadrado de vidro, colocado a altura do rosto do pranteado morto, foi ele contemplado pelas pessoas presentes.

Um jornalista anotou: “o caixão, apesar de ser de faia, é demasiado simples, com argolas de metal ordinário e além de tudo fechado a parafuso. Como único adorno, tem na tampa a seguinte inscrição em uma placa de metal branco: Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, deputado federal da República dos Estados Unidos do Brasil, inventor do balão Pax. Nasceu em Macahyba em 11 de janeiro de 1864 e morreu em Paris a 12 de maio de 1902”. E descreve o que viu pelo vidro do caixão: “O rosto do desventurado aeronauta está sereno e o peito da camisa bordada manchado de sangue. Severo veste terno de casaca preta. Tem sobre o peito um pequeno invólucro e uma fotografia”.

Destaca outro jornalista: “Retirada a tampa do caixão, via-se o rosto de Augusto Severo, sob o vidro, numa pequena abertura feita no envoltório de zinco. Tinha a fisionomia serena e a boca ligeiramente aberta”.

O então Deputado Federal Augusto Tavares de Lyra, deixou as seguintes notas: “o caixão é todo de madeira de lei, tendo aos lados seis pegadores de metal branco. O cadáver achava-se dentro de uma segunda caixa de zinco, tendo uma abertura com vidro na altura do rosto. Sobre o caixão de zinco, grande quantidade de coroas e grinaldas vindas de Paris”. E continua: “o rosto de Augusto Severo estava bem conservado, sereno, notando-se, entretanto, ligeiras manchas violáceas nas faces. Os seus negros e vastos cabelos emolduravam-lhe o rosto, caindo sobre a testa. O corpo veste terno de casaca preto, tendo sobre o peito uma fotografia e um pequeno invólucro”.

Carlos Leite Ribeiro, amigo de Augusto Severo, lembrou de adquirir o terreno para o mausoléu.

Da capela do Arsenal da Marinha o corpo de Augusto Severo foi conduzido para ser velado no salão nobre da Câmara dos Deputados, transformado em câmara ardente. No dia 18 de junho, pela manhã, foi levado para a Igreja da Candelária, onde ocorreram as exéquias solenes e de lá seguiu em grande préstito para o Cemitério de São João Batista, em Botafogo.

O terreno para o sepultamento, adquirido por seu amigo o coronel Carlos Leite Ribeiro, presidente da comissão executiva das exéquias e monumento, que legalizou a compra, em nome da mesma comissão, foi depois doado para o Centro Norte Rio-Grandense, ocupado pelo jazigo n. 72 F, do quadro 10 de carneiros, com uma superfície de 2 metros e 20 centímetros de comprimento por 80 centímetros de largura, de acordo com a medida tomada pelo construtor contratante da obra e com o feitio do caixão, que encerra os despojos do morto.

Uma numerosa turma de operários do cemitério trabalhou na construção do carneiro e nas fundações do monumento, confeccionadas em lajões de alvenaria “com uma profundidade de 7 metros, de acordo com o respectivo regulamento”, segundo os jornais e 3 metros, segundo o deputado Tavares de Lyra.

Posteriormente, no dia 18 de setembro de 1904, foi erigido e inaugurado o monumento em mármore. Construído através de uma subscrição popular, o túmulo de Augusto Severo está localizado numa Alea onde jazem diversas personalidades da história do Brasil, a exemplo de José de Alencar, Barão de Cotegipe, Clarisse Lage Índio do Brasil, Conde de Araguaia, Almirantes Saldanha da Gama e Wandenkolk.

Túmulo de Augusto Severo inaugurado em 1904, no Cemitério de São João Batista, Rio de Janeiro. 

Trata-se de uma bela concepção artística. Encimada por uma coluna piramidal recoberta de mármore, tem ela na sua base um medalhão com a efígie de Augusto Severo e dois baixo relevos representando uma cena do balão Pax, alando-se aos ares e o outro com a frase em latim:  Sidera vincere conatus, vicil mortem. No pedestal do monumento, até os anos de 1970, jazia a coroa flores envoltas numa âncora, que lhe foi oferecida como tributo de gratidão pelos operários do Arsenal da Marinha.

A subscrição popular foi uma iniciativa da comissão composta do Contra-Almirante Justino Proença, Dr. Joaquim Ferreira Chaves, Dr. Oscar Godoy, Coronel Fonseca e Silva, Coronel Carlos Leite Ribeiro, Alcindo Guanabara, Capitão José Villas Boas, Francisco de Barros e Francisco Marques.

Diante das informações aqui coligidas, temos os seguintes pontos:

1. O Corpo de Augusto Severo foi embalsamado e encontra-se em dois caixões, um externo de madeira faia e outro de zinco hermeticamente fechado. Seria interessante que, pelo menos o caixão de zinco, fosse conservado dentro de outro, novo e assim sepultado, quando de sua possível exumação;

2. Em cima do caixão externo existe uma placa com o nome, profissão, lugar e data de nascimento e lugar e data de falecimento de Augusto Severo;

3. O túmulo foi construído pelos operários do próprio cemitério de São João Batista e o monumento piramidal de mármore edificado depois de uma subscrição popular que durou dois anos arrecadando o valor;

4. O terreno do túmulo foi comprado por um amigo pessoal de Augusto Severo – o Coronel da Guarda Nacional Carlos Ribeiro Leite – que era presidente da Comissão das Exéquias e do Monumento. Encerradas todas as solenidades, o Coronel Carlos Leite Ribeiro deixou o túmulo sob a responsabilidade do Centro Norte-Rio-Grandense do Rio de Janeiro.