terça-feira, 24 de agosto de 2010

Na Academia Brasileira de Letras


Pettit Trianon - sede da Academia Brasileira de Letras


Convidado pelo acadêmico potiguar Murilo Melo Filho visitei a sede da Academia Brasileira de Letras. Em companhia do presidente do centro Norte-riograndense, Dr. Francisco Campelo, chegamos ao palácio “Austregésilo de Athayde”, edifício de 28 andares, encravado no centro do Rio de Janeiro. O prédio é espaço para atividades culturais da ABL e local onde se situa a Diretoria e a Biblioteca Rodolfo Garcia. Na sala da tesouraria, escritório do imortal potiguar Murilo Melo Filho, fomos recepcionados por ele que em meio as suas múltiplas atividades como gestor da academia, separou um tempo para apresentar-me as dependências do palácio “Austregésilo de Athayde” e do Pettit Trianon.


Contou-nos Murilo que em 1970, o presidente da república, general Emilio Garrastazu Médici, fez a doação do terreno e do pavilhão da Inglaterra para a ABL. O Pavilhão da Inglaterra, remanescente da exposição de 1922, foi demolido rapidamente e em seu terreno a ABL construiu um prédio de 28 andares com salas comerciais para serem alugadas.


O prédio em estilo moderno brutalista continua agregando vários elementos famosos dos arquitetos como áreas livres junto à rua e os brises, esses virados para a fachada da Rua de Santa Luzia. Foi inaugurado em 20 de julho de 1979. Garantindo definitivamente a independência financeira da academia.


Dentro do moderno prédio, Murilo Melo Filho nos apresentou sua maior obra dentro da ABL - A Biblioteca Rodolfo Garcia que foi construída na gestão do acadêmico Alberto da Costa e Silva e inaugurada em 22 de setembro de 2005 na presidência do acadêmico Ivan Junqueira. Murilo Melo Filho que ficou encarregado da organização da referida biblioteca só fez uma exigência, que o nome dado ao novo espaço fosse do imortal potiguar Rodolfo Garcia.


Instalada no 2º andar do Palácio Austregésilo de Athayde, a Biblioteca Rodolfo Garcia ocupa uma área de 1.300m², dividida em setores de atendimento ao público, técnico-administrativo e guarda do acervo, além de dispor de um espaço para exposições.

A Biblioteca Rodolfo Garcia atende a comunidade em geral, e em especial a pesquisadores graduados, com um acervo de aproximadamente 70.000 volumes. Centrado em filosofia, filologia, linguística, literatura, história e ciências humanas, o acervo é formado pelas coleções Geral, de Referência, de obras raras dos séculos XIX e XX - com destaque para a Brasiliana e Camiliana -, e por coleções particulares pertencentes à Agliberto Xavier, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, Arthur Vautier, Ary de Andrade, Carlos Magalhães de Azeredo, Celso Vieira, Fernando Nery, Franklin de Oliveira, Frédéric Mauro, Marcos Carneiro de Mendonça e Silvio Neves. O acervo vem sendo enriquecido por importantes doações, como as efetuadas pelos Acadêmicos Alberto da Costa e Silva, Alberto Venancio Filho e Josué Montello.


Saindo do palácio seguimos pelo jardim e junto à entrada do Pettit Trianon, encontra-se um dos mais conhecidos símbolos da Casa, a escultura em bronze de Machado de Assis, de autoria de Humberto Cozzo.


Já no Pettit Trianon vão surgindo, a cada passo, obras de arte instaladas no palacete Frances: o Saguão, com piso em mármore, lustre de cristal francês e peças de porcelana de Sèvres, conduz ao Salão Nobre, ao Salão Francês e à Sala Francisco Alves. O andar térreo compreende, também, a Sala dos Poetas Românticos, a Sala Machado de Assis e a Sala dos Fundadores.


No Salão Francês, falou-nos Murilo Melo, o Acadêmico eleito cumpre a tradição de permanecer sozinho, em momentos de reflexão, antes da cerimônia de posse. A seguir, Acadêmicos especialmente designados buscam o novo confrade e o introduzem no Salão Nobre, onde será empossado na Cadeira para a qual foi eleito.


Além das posses, realizam-se no Salão Nobre as Sessões Solenes e Sessões Ordinárias comemorativas.


No lado oposto ao do Saguão, a Sala dos Poetas Românticos abre-se para um belo pátio e reverencia Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela e Gonçalves Dias, imortalizados em bustos de bronze.

Originais do livro: Esaú e Jacó de Machado de Assis

Na Sala Machado de Assis, organizada pelo Acadêmico Josué Montello, destacam-se objetos pessoais do escritor, como: livros de sua biblioteca, a escrivaninha onde trabalhava e um belo retrato a óleo de autoria de Rodolfo Bernardelli.


A Sala dos Fundadores e a Sala Francisco Alves, onde são realizados os lançamentos de livros dos Acadêmicos, abrigam importantes obras de arte e peças decorativas do acervo da Academia.


No segundo andar do Petit Trianon, estão a valiosa Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça, a Sala de Sessões e o Salão de Chá, onde se reúnem os Acadêmicos, às quintas-feiras.


Uma grande reprodução dos Estatutos da Academia, de 1897, assinados por Machado de Assis, Joaquim Nabuco e membros da primeira Diretoria, está afixada na Sala de Sessões, que também possui dois painéis com retratos dos fundadores e dos patronos das 40 Cadeiras da ABL.


O antigo Pavilhão Francês – Pettit Trianon é tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (INEPAC) da Secretaria Estadual de Cultura em 1987.


Ainda no prédio do Pettit Trianon destaca-se a Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça, que teve sua criação oficial em 13 de novembro de 1905 por proposta de Rodrigo Octavio, seu primeiro diretor, sob a presidência de Machado de Assis.


Academia Brasileira de Letras recebe, desde sua fundação, doações de coleções particulares de acadêmicos, de personalidades do mundo literário e cultural e de bibliófilos. Fazem parte do seu acervo primeiras edições de obras clássicas da literatura mundial, além de um grande número de obras raras dos séculos XVI a XX, destacando-se a edição de Os Lusíadas, de 1572, e um raríssimo exemplar das Rhythmas, impresso em Lisboa, no ano de 1595, de Luís de Camões.


A Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça atende aos Acadêmicos e pesquisadores com um acervo bibliográfico de aproximadamente 20.000 volumes, formado pelas coleções: Acadêmica, ABL, Referência, Camoniana, Periódicos e obras raras dos séculos XVI a XVIII, além de coleções particulares de Alberto de Oliveira, Afrânio Peixoto, Domício da Gama, Machado de Assis, Manuel Bandeira e Olavo Bilac.


Instalada no 2º andar do Petit Trianon, ocupa uma área de 250m², dividida em três ambientes. Além de livros, possui um acervo museológico composto por móveis de época, esculturas e quadros de grandes pintores.


Durante todo o percurso da visita, destacou-se o acervo museológico da ABL que é formado por obras de arte, mobiliário de época e peças de arte decorativas, assim como objetos de uso pessoal dos Acadêmicos. Nas coleções de pintura e escultura destacam-se obras de Portinari, Rodolfo Bernardelli, Gomes Carollo, Manuel Santiago, Leão Veloso e Bruno Giorgi.

Grande parte deste acervo está em exposição permanente no Petit Trianon Outras peças encontram-se nas dependências do Centro Cultural da Academia.


Contudo, o ponto alto da visita deu-se no arquivo da ABL que possui uma grande variedade de documentos textuais e iconográficos. É composto por correspondências, discursos, originais de obras literárias, fotografias e periódicos. Esses documentos, acumulados pela Academia desde a sua fundação, em 1897, recebem tratamento de acordo com as normas arquivísticas contemporâneas.


No arquivo, tive a oportunidade de receber das mãos de Murilo Melo Filho, os originais do livro “Esaú e Jacó” de Machado de Assis. Oportunidade certamente única.


O arquivo é composto por duas linhas de acervo: o Arquivo dos Acadêmicos, com a documentação pessoal dos membros efetivos, patronos e sócios correspondentes e o Arquivo Institucional, com a documentação administrativa e funcional. Notícias e textos literários publicados em jornais e revistas formam a Hemeroteca, outra valiosa fonte de pesquisa sobre os Acadêmicos e a Academia.

Na despedida, Murilo Melo Filho presenteou-me com livros autografados, documentos referentes ao general Lyra Tavares e, sobretudo, palavras de parabéns, de encorajamento e força para continuar com minhas pesquisas sobre minha terra e minha gente.



Murilo Melo Filho, imortal potiguar, ocupante da cadeira nº 20 da ABL, sucessor do Gal. Lyra Tavares



terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre Sophia A. Lyra

Julho de 1984, Sophia Lyra e Odiléia. (Foto: acervo Anderson Tavares)



Sophia Lyra aos 100 anos de idade em 2003. (foto: acervo Anderson Tavares)


Rio de Janeiro, 27 de julho de 2010. Colégio Sion. Chego ao encontro com Madre Carmem Maria Tavares de Lyra – aos noventa anos, encontra-se reclusa ao seu quarto. Pede para aproximar-me, logo observo que chora, a situação era um tanto embaraçosa para mim. O passado e o presente floriam no mesmo canteiro interiorizado em sua alma. Abraçando-me exclama: “meu filho, Sophia foi em paz! É a vontade de Deus!”.


Por um momento parei e compreendi a amargura de quem, por possuir alma, chora a morte de um ente por demais querido. Mas aprendi que uma perda assim tão amarga deve ser espiritualizada sem demora. Não há sabedoria na dor que mergulha para aprofundar-se indefinidamente na alma humana. Os mergulhos fazem a dor esquecer a luz do irrevelado onde imaginamos existir a verdadeira fonte da consolação.

Naquele instante fui surpreendido com a nota de falecimento de Sophia Augusta de Lyra Tavares – a escritora Sophia Lyra - no dia 09 de novembro de 2009, dois dias antes de completar 106 anos. Madre Carmem disse-me que ainda tentou nos avisar por telefone em Macaíba. Sem sucesso. Vi que o numero do telefone que ela dispunha era anterior ao atual.

Sophia Lyra foi um dos grandes nomes da literatura feminina do século passado. Filha primogênita do ministro Augusto Tavares de Lyra e de Sophia Eugênia de Albuquerque Maranhão, nasceu no Grande Hotel da Lapa, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, quando seu pai estava deputado federal pelo Rio Grande do Norte.

Em 1904, foi batizada na capela de São José na fábrica de tecidos pelo padre João Maria. Seu pai fora eleito governador do Estado. Aqui permaneceu com a família até 1906, quando Tavares de Lyra foi convidado pelo Presidente Afonso Pena para compor seu ministério.

Residiu na avenida Junqueira Ayres, em casa ainda hoje existente, pertencente a Arquidiocese de Natal. Curiosamente, são desta época às memórias mais antigas que Sophia Lyra nos apresenta em seu livro sobre o pai: “(...) Mamãe contou-me que houve festa ao jovem governador que se despedia de sua terra para assumir a pasta da justiça e negócios interiores. (...) Eram foguetórios, vivas, músicas, cantos e... bumba-meu-boi. Aí entram minhas vagas lembranças esclarecidas por mamãe. Só me lembro bem da “burrinha”, de papai livrando-me dos arrancos do personagem e do lenço grande e colorido de vovô Pedro Velho”.

Retornando ao Rio de Janeiro, foi educada inicialmente por seu pai Tavares de Lyra, que, segundo Sophia ensinava: “brincando e educando”, ou “aproveitava a vida cotidiana para tudo esclarecer, diretamente”. Ou ainda, durante os passeios em família, instruía a filharada apresentando os lugares históricos do Rio de Janeiro e indicando livros a respeito dos fatos.

Ainda criança, Sophia Lyra e os irmãos já sabiam citar diversos nomes ilustres ligados à história de cada Estado, bem como decorava e declamava versos nas reuniões familiares. Em março de 1908, entrou para o Colégio Notre Dame de Sion. No colégio, Sophia divide a carteira com a amiga Lúcia Miguel Pereira, futura escritora, biografa de Machado de Assis. Já adolescente, Sophia Lyra era convocada pelo pai apresentar críticas as conferências e discursos paternos.

Concluído o curso de humanidades, em 1918, Sophia A. Lyra manifestou seu objetivo de estudar arquitetura; Tavares de Lyra foi contra e proporcionou-lhe aulas particulares de Filosofia, História da Igreja, Idioma Nacional, Italiano, Inglês, Alemão, Francês, Desenho, Pintura, Piano, Solfejo, Canto, Harmonia, Gravura, Artesanato e Enfermagem Básica.

Em 08 de setembro de 1924, casou com o primo paterno Dr. Roberto de Lyra Tavares (*1902 +1982), filho do senador João de Lyra Tavares e de Rosa Amélia da Silva de Lyra Tavares (*1874 +1951), uma das “Rosas de Neves” descritas, tempos depois, por Sophia em seu livro. Seu marido, Roberto Lyra, foi ministro da Educação e Cultura de João Goulart, na fase parlamentarista de seu mandato, durante o gabinete de Brochado da Rocha. No início de sua carreira, Sophia Lyra desvendava-lhe os mistérios da língua Alemã, traduzindo textos que ele usava em suas defesas do júri.

Destas núpcias nasceram Sophia Rosa de Lyra Tavares (*1925 +1927), falecida infante, de pneumonia, alguns dias antes de surgir a penicilina, e Roberto de Lyra Tavares Filho (*1926 +1986), falecido solteiro, advogado, filosofo do direito, poliglota, poeta e tradutor que ao falecer era catedrático da Universidade de Brasília.

Em 1928, ao mesmo tempo em que cuidava do filho e auxiliava o marido nas traduções, Sophia Lyra dedica-se à pesquisa para preparação de trabalhos literários e históricos. Suas pesquisas pessoais levam-na a empreender viagens ao Uruguai, à Argentina e ao Chile. Posteriormente, vai à Europa e, na Itália, em Portugal e na França, aprofunda suas pesquisas.

O ano de 1957 marca o inicio de sua produção literária. Neste ano é lançado o livro: “Assis, Luminosa e Ardente Clareira de Paz”. Em 1958, retornou à Europa para aprofundar pesquisas em Portugal e na França. O mesmo ocorreu no ano seguinte, 1959, demorando-se mais em Portugal.

Sua bibliografia completa é composta das seguintes obras: Assis, luminosa e ardente clareira de paz (1958), O sétimo centenário de um terceiro franciscano – Dante Alighiere (1965), Igrejas de Portugal (1966), Natal à franciscana (1966), Madre Joana – A Angélica (1968), Tupi para Juristas (1969), Os franciscanos e as rosas (1970), O maior e o melhor dos Lyras (1973; 2 ed. 1974), Rosas de Neve: como eram as mulheres no começo do século (1974), Conquistas da mulher em todos os tempos (1976), São Francisco de Assis e o Brasil (1978), Vida íntima das moças de ontem (1980), Grandes Mulheres, 2 volumes, 2001-2003. Além desses livros, Sophia Lyra deixou trabalhos inéditos.

A professora Arisnete Câmara afirma que a importância da análise do livro: Vida íntima das moças de ontem “reside no seu aspecto histórico e memorialístico, através do qual a escritora constrói uma configuração, representando as tensões e os elos mutáveis de interdependência próprios da sociedade brasileira, durante o período investigado. Ou seja, evidencia os mecanismos que enunciam e representam os papéis da mulher na sociedade, fazendo sua própria história”.

Já o professor Roberto da Silva, analisando o livro Rosas de Neve: como eram as mulheres no início do século, destaca: “indo além dos limites aparentemente impostos pelo subtítulo desse livro, D. Sophia A. Lyra nos apresenta um vivo painel desse temps jadis. Em meio aos retratos das mulheres por ela vivificadas, d. Sophia nos informa, além da toalete, quais os tecidos, as cores da moda, as obras dos autores então em voga, como eram constituídos os currículos escolares, confrontando-os com o da época da elaboração do seu livro e apontando as respectivas vantagens e desvantagens, ela nos fala da música popular e da música erudita, de cantigas e de modinhas, dos artistas em evidência, dos repertórios teatrais, dos jogos infantis, dos folguedos (ela nos brinda com na marcação de uma quadrilha, nomeando, comme il faut, todos os movimentos em Frances), com detalhes”.

Aos 81 anos, em julho de 1984, Sophia Lyra visitou o Estado do Rio Grande do Norte, demorando-se nas cidades de Natal, Parnamirim e Macaíba. Na capital, percorreu várias instituições culturais acompanhada do então presidente da Fundação José Augusto, Valério Mesquita e da então prefeita de Macaíba, Odiléia Mércia da Costa. Em Parnamirim, foi a uma feira que reuniu no Parque Aristófanes Fernandes as prefeituras do RN com estandes mostrando seus artesanatos.

Na cidade de Macaíba reviu nossa família e esteve em nossa casa, e eu aos quatro anos tenho nítidas na memória, sua imagem sentada na sala de visitas revendo velhos álbuns familiares. Foi ao cemitério público visitar o túmulo dos seus avós Cel. Feliciano Pereira de Lyra Tavares e Maria Rosalina de Albuquerque Vasconcelos. Foi ainda na igreja matriz, na prefeitura, na câmara de vereadores e almoçou na residência de Valério Mesquita. Seu derradeiro compromisso no Estado foi visitar Luis da Câmara Cascudo, acompanhada de minha tia Joana, de mim e da sua secretária.

Em 17 de dezembro de 2004, consegui com a Câmara de Vereadores da Macaíba que a fizessem Cidadã Macaibense, o que foi um orgulho para ela, já aos 101 anos! Telefonou-me agradecendo e irmã Carmem Tavares de Lyra me escreveu com igual objetivo. Fui seu representante na sessão de recebimento do título. Hoje escrevo estas linhas para contribuir com a difusão de sua memória para nos tão cara.