quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O livro de Crinaura: a menina da Vila Soledade

Capa do livro de Maria Crinaura, retratando a Vila Soledade.

A menina Maria Crinaura. Acervo Instituto Tavares de Lyra



Maria Crinaura Dantas Cavalcanti é macaibense nascida na Vila Soledade, casarão tombado como patrimônio histórico, hoje conhecido por Solar da Madalena, mas que no tempo do seu avô materno, o coronel Manoel Maurício Freire era assim denominado. Viúva de Jessé Dantas Cavalcanti, Maria Crinaura tem quatro filhos, sete netos e um bisneto. É assistente social aposentada, tendo desenvolvido seu trabalho em diversas repartições públicas.

No ano de 2013, Maria Crinaura publicou o livro Vila Soledade, editado pela Jovens escribas, onde volta de mansinho, revestida da menina que foi no antigo casarão e nos apresenta parte do seu universo vivido naquela paisagem ainda bucólica da Macaíba de outrora. O resultado é uma narrativa leve, despretensiosa e, ao mesmo tempo, um documento histórico sem par, autêntico, substancioso, sobre a vida privada, o cotidiano, a micro-história, enfim, de um importante núcleo familiar macaibense do século passado.

Maria Crinaura escreve suas lembranças, mas informada pelo olhar novo da menina da Vila. Com ela podemos penetrar os segredos do casarão no período ainda por estudar do domínio da família Freire, em Macaíba. Trata-se de um documento chave para a história cultural da cidade. Através do olhar da menina da Vila podemos ainda reviver os padrões de convivência humana. O próprio ângulo de visão é de baixo para cima, como as crianças veem e vivenciam o mundo dos adultos.


Trata-se aqui de uma fonte particularmente importante para a história social da infância e da família, na linha aberta por Philippe Ariàes. É esta voz abissal e ressoante de ecos envolventes, que, para nossa inquietação e nossa maravilha, nos lega o livro Vila Soledade, de Maria Crinaura.

domingo, 1 de novembro de 2015

A jovem sem nome...

Túmulo de Lourdinha Barreto. Foto: Anderson Tavares de Lyra.


Maria de Lourdes Barreto de Oliveira
*11-02-1926
+12-04-1943


Este artigo não descreverá um dos muitos personagens ilustres da cidade da Macaíba. Essa pessoa teve uma vida comum e rápida. Porém, ela incorporou-se ao imaginário macaibense exatamente após a morte. Desde criança que ouço estórias sobre uma jovem bonita, falecida muito cedo e cuja alma “aparecia” sentada na escadaria de acesso ao busto do velho Mesquita, na Praça da Saudade, em frente ao Cemitério de São Miguel da Macaíba.

O espírito da jovem, dizem, já colocou medo em muitos transeuntes da Rua do cemitério – oficialmente Rua Governador Dinarte Mariz. A estória mais divulgada diz respeito a um padeiro que jurava ter visto a jovem. Ao vê-la, foi ao seu encontro e ela se dirigiu para o cemitério, transpassando o portão. O homem apavorado correu deixando para trás sua bicicleta e um balaio com os pães.

Outra feita da jovem alma, pediu a um rapaz que voltava de uma festa, que a acompanhasse até sua casa, ao que o jovem atendeu e seguiram em animada conversa até o portão do cemitério, quando ela agradeceu e entrou. O rapaz sofreu um desmaio de tanto pavor que lhe infringiu aquela visão fantasmagórica.

Intrigado com a suposta assombração, fui ao cemitério em busca de mais elementos sobre a jovem. Depois de indagar ao coveiro o lugar do túmulo, ele me apontou um jazigo azul que fica a direita de quem entra no campo santo. Confirmei com antigas zeladoras do cemitério e todas foram unanimes em apontar o jazigo da “jovem sem nome”, retratada com a mão apoiando o seu queixo. Não há indicação de nome, nem as datas de nascimento e de morte, nem mesmo outras fotografias de parentes inumados ali.

Chegando em casa e comentando o meu insucesso em obter os dados sobre a aquela bela moça, conversei com a minha avó Nira Dalva Tavares, que de pronto lembrou-se e me legou alguns dados. Falou que a jovem era Maria de Lourdes Barreto, comumente conhecida por Lourdinha Barreto, era filha de Mariinha e Sérgio Barreto, e tinha ainda os irmãos Agenor, Luís e Paulo. A família morava na rua do Vintém ou rua Frei Miguelinho, numa casa hoje pertencente aos herdeiros de Oscar Pinheiro.

Minha avó contou-me ainda que a jovem Lourdinha faleceu de febre tifo*, mas não conseguiu lembrar o ano, porém garante que foi depois de 1940. Disse que foi um enterro muito concorrido em Macaíba e que toda a cidade ficou abalada com desaparecimento da jovem. Com as poucas informações que tinha procurei nos livros de assentamentos da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Macaíba o seu termo de óbito. Sem sucesso.

Três anos se passaram desde que reuni os dados que minha avó repassou e não consegui avançar na pesquisa. Recentemente, pesquisando no desaparecido jornal A Ordem sobre o macaibense Antônio Leiros Coelho, encontrei a notícia completa do falecimento da jovem Lourdinha Barreto. Segundo o jornal, Lourdinha faleceu a 12 de abril de 1943, com 17 anos, nascida em 11 de fevereiro de 1926. Era filha do casal Sérgio e Maria Barreto de Oliveira. “O sepultamento verificou-se na tarde do mesmo dia com numeroso acompanhamento de pessoas amigas. Um grupo de jovens conduzia grinaldas de flores naturais”. Discursou a beira da sepultura o sargento Antônio Leiros Coelho. A família de Lourdinha, profundamente marcada por sua morte, retirou-se de Macaíba e se estabeleceu na cidade de Lagoa de Velhos, no interior do Rio Grande do Norte.

A partir de agora a personagem esquecida e sobre quem muitas lendas foram construídas durante todos esses anos de anonimato, fica apresentada aos macaibenses. Ela teve resgatado seu nome: Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. Data de nascimento: 11 de fevereiro de 1926. Data de falecimento: 12 de abril de 1943 Requiescat in pace.

*(Febre tifoide é uma doença infectocontagiosa, causada pela bactéria Salmonella enterica typhi).