João de Albuquerque Maranhão Cunhaú em reprodução de daguerreótipo. Acervo: Instituto Tavares de Lyra
João de Albuquerque Maranhão Cunhaú é uma das
figuras mais controversas da Casa de Cunhaú. Nascido no Taipú, terras do engenho
Cunhaú, no ano de 1833. Era filho natural de Amaro de Albuquerque Maranhão e de
Ana Francisca Dutra. Cresceu com pouca fortuna, trabalhando na lida campezina
em Cunhaú e outros engenhos, fazendas e sítios da família. Estudou na infância.
Era alfabetizado e sabia escrever.
Em 1864, durante as eleições para vereador e juiz
de paz em Canguaretama, forças contrárias ao partido de João Cunhaú tomaram a
Matriz de Nossa Senhora da Conceição e pretenderam realizar, por força de
baionetas, a votação. João Cunhaú e Manuel de Andrade Franco protestaram
veementemente contra o arbítrio e foram presos pelo tenente José Lazaro
Monteiro de Melo, quando organizavam outra mesa eleitoral, juntamente com o
juiz de paz e o corpo eleitoral, na câmara de vereadores. É a confusão mais
antiga documentada envolvendo João Cunhaú.
Após a morte de Dendé Arco Verde, em 27 de julho de
1857, João Cunhaú casou com a sua filha Luzia Antônia de Albuquerque Maranhão
Arco Verde, no dia 16 de outubro de 1867, na igreja Matriz de Nossa Senhora do
Desterro, em Vila Flor-RN, na presença do vigário José de Matos Silva e as
testemunhas Julião Lumachi de Albuquerque Maranhão e Anacleto José de Matos. Da
união houve cinco filhos: Horácio, André, Maria da Conceição, Benedita M. da
Conceição e Antonieta. Destes, somente Benedicta e Antonieta deixaram
descendência.
O casal residiu um tempo no Engenho Cunhaú, pois em
abril de 1868, Amaro Bezerra solicitava através de anúncios em jornais, a quem
encontrasse escravos seus, comprados a Francisco Rodrigues, os entregasse no Engenho
Cunhaú ao João Cunhaú. Depois de 1870, passaram a morar no Engenho Estrela. Foi
João Cunhaú quem articulou para que todos os outros filhos de Dendé Arco Verde entrassem
na justiça com o pedido de abertura do inventário paterno, que vinha sendo
retardado pelo tutor e testamenteiro Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcante,
político pertencente às hostes liberais no Rio Grande do Norte.
Membro do Partido Liberal, João Cunhaú foi eleito
vereador e presidente da Câmara municipal de Canguaretama no período de 1870-1873.
É nesse período que na posse das antigas escrituras e documentos seculares da
propriedade Cunhaú, iniciou um processo na justiça visando à oficialização de
seus direitos sobre as terras de marinha onde foi edificado o povoado da Baía
Formosa. Em setembro de 1870 João Cunhaú no auge de sua autoridade, era o “dono
de Canguaretama”. Partiu para Baía Formosa e ordenou a derrubada de algumas
casas de moradores que não lhe pagavam foros pelas terras. O conflito só não
foi maior devido o pedido de ajuda ao governo provincial do delegado e
conseguiu que oito soldados somassem a vigilância ameaçada no lugarejo. A
contenta continuou na justiça.
No dia 16 de agosto de 1875, estava em curso em
todo Nordeste a revolta dos Quebra-Quilos, cujos partidários não aceitavam as
mudanças empreendidas pelo governo imperial, que alterou o sistema de pesos e
medidas então vigentes pelo sistema métrico francês. Um grande ataque dos
quebra-quilos acometeu as comarcas de São José e Canguaretama, onde os mesmos
haviam ido para protestar contra a lei do recrutamento obrigatório naquele dia
16.
Um grupo de, aproximadamente 400 pessoas, entre
homens e mulheres, chefiado por Antônio Hilário Pereira, invadiu o local da
reunião e ameaçou matar o juiz de direito e todos os membros da Junta, se a Lei
de recrutamento que denominavam 'lei para cativar o povo', tivesse execução
naquela freguesia. Os revoltosos foram presos, mesmo assim a ameaça de um novo
ataque ainda continuava a amedrontar a população de São José.
Foi então convocada a ajuda do capitão João Paulo Martins
Naninguer e com ele outros vieram em auxílio, como o tenente-coronel José da
Costa Vilar e os fazendeiros Afonso Leopoldo de Albuquerque Maranhão e João de
Albuquerque Maranhão Cunhaú, junto com outros sargentos e alferes detiveram o
segundo ataque à São José de Mipibú-RN. Segundo os relatos da época tropa
tentou evitar um conflito, mas os quebra-quilos atacaram os soldados, o que
levou aos mesmos dispararem ferindo alguns. Eis o segundo movimento em que João
Cunhaú aparece.
Aspecto da Baía Formosa. Foto: Anderson Tavares de Lyra
Em
princípio de 1877, estava em curso a tentativa de João Cunhaú em provar os seus
direitos sobre Baía Formosa. Impetrada a ação competente por seu advogado Dr.
Manuel Januário Bezerra Montenegro, obtendo êxito em primeira instância, foi com
o juiz municipal de Canguaretama, auxiliado por uma guarnição de força
policial, no dia 04 de agosto de 1877, esbulhar os moradores que continuavam
fortes em seu propósito de não pagar os foros.
Não
houve resistência e João Cunhaú mandou derrubar 11 casas e ordenou a construção
de outras no local que seriam destinadas a outros foreiros. Os moradores
despejados viajam a Natal e vão reclamar a sua situação ao Presidente de
Província que era adversário político de João Cunhaú e partidário do deputado
Dr. Amaro Bezerra. Assim, tanto o presidente quanto o chefe de polícia instigam
aos moradores a resistência.
Sabendo
dos entendimentos entre moradores e alta administração da província, João
Cunhaú segue ao povoado da Baía Formosa, no dia 10 de agosto de 1877,
acompanhado por seu filho primogênito Horácio de Albuquerque Maranhão, e mais cerca de 40 homens trabalhadores de seu
engenho Estrela, segundo argumentou sua defesa “preparado para assistir a
qualquer incidente contra ele aparecesse”.
Segundo
ainda a defesa de João Cunhaú, logo que o grupo entrou no povoado:
(...) foi
recebido com os nomes mais injuriosos pelos maus rendeiros, que sem o menor
escrúpulo dispararão um descarga fazendo cair ferido por uma bala ao jovem
Horácio (...) agora avalie o público o que faria um pai em tão aflitivo estado
(...).
Dos
moradores da Baía Formosa morreram durante a luta os seguintes: pescadores Francisco
de Magalhães, Joaquim do Porto, Manuel Joaquim Belleu e Germano de Tal. Outros
tantos saíram feridos leves ou gravemente, tendo falecido os seguintes, dias
após a luta: Miguel dos Anjos Pequeno e João do Porto. João Cunhaú ficou preso
em Natal por um ano até que foi julgado e absorvido das acusações por 10 votos
a 0. De seus capangas foram presos e pronunciados: Miguel Fulgério, André
Quintiliano, José Enéas e Pedro Tanico.
Do
processo instaurado pelas autoridades competentes, resultou pronunciados
quarenta e três pessoas, sendo trinta e cinco incursos no art. 192, e oito no
art. 193, combinado com o art. 34 do Código Penal Imperial.
Cinco
senhoras ficaram viúvas e vinte e oito crianças órfãs. Figurou como chefe de
polícia o Dr. Ernesto Adolfo de Vasconcelos Chaves.
Após o episódio do litígio da Baía Formosa, João
Cunhaú foi recolhido durante um ano ao estado maior em Natal. Foi julgado em
dois acalorados júris, sendo absorvido por 10 votos. Ao sair aparentemente
afastou-se de confusões.
O antigo bueiro do engenho ainda ostenta a Estrela que deu nome a propriedade. Foto: Anderson Tavares de Lyra
Possível Casa Grande do Engenho, hoje Fazenda Estrela. Foto: Anderson Tavares de Lyra
Um fato curioso deu-se no ano de 1882, durante a
visita episcopal do bispo de Olinda Dom José Pereira da Silva Barros ao Rio
Grande do Norte, passando por Canguaretama quando, João Cunhaú, maior de 40
anos, foi crismado para depois ser padrinho de outras pessoas, oportunidade que
fez uma generosa doação a igreja,
segundo o escritor Luís Carlos Wanderley.
Vivendo no Engenho Estrela, d. Luzia Antônia esposa de João Cunhaú mandou que demarcassem uma grande área de Mata Atlântica que ainda hoje existe e constitui um dos maiores resquícios da mata no Nordeste. É conhecida atualmente como a Mata da Estrela. Luzia Antônia era uma admiradora de toda a região e sempre foi contrária as excessos do marido. Inclusive foi uma das incentivadoras na edificação de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, em Baía Formosa, com o objetivo de lá se rezar por todos os mortos de 1877.
Em 16 de agosto de 1881, viajou ao Recife junto com o filho André, para tratar da venda do engenho Estrela a uma companhia inglesa, pressionado por sua mulher d. Luzia Antônia, que temia novos confrontos entre o marido e a população da Baíba Formosa. Somente em 30 de agosto de 1882 é que foi efetivamente vendido o engenho aos senhores Eduard Charles Bowm e John Loughan Reed da companhia Reed, Bowm &Cia., por trezentos contos de réis. O valor foi dividido até 1885 e nunca foi totalmente pago pelos adquirentes que pretendiam montar um engenho central.
Em 05 de abril de 1883, foi instalada em Natal, sob
os auspícios da Sociedade Libertadora Norte-Riograndense do Recife, uma
sociedade abolicionista que recebeu o nome de Libertadora Natalense. Segundo o
jornal do Recife:
(...) Foi numerosa a concorrência que tomou parte naquele festim de
liberdade, tocando durante a reunião e ocasiões próprias, uma banda de música marcial,
e sendo ao som do hino nacional, exibidas várias cartas de liberdade (...)
distinguindo-se entre os libertadores, o cidadão João de Albuquerque Maranhão
Cunhaú, que declarou livre um casal de escravos seus (...). (Jornal do Recife,
sábado, 14 de abril de 1883).
Além disto, por si e por seus filhos, João Cunhaú
doou à causa abolicionista a quantia de 1.120$000, para prover o fundo de
libertação.
A partir de 23 de novembro de 1883, dia do
falecimento de D. Luzia Antônia de Albuquerque Maranhão Arco Verde, João Cunhaú
vai desaparecendo, gradativamente do noticiário e vai entrando num ostracismo.
Adquire terras em Cuitezeiras (atual Pedro Velho) e transfere sua residência
para o povoado.
Em 30 de março de 1890, João Cunhaú assinava,
solidário, a fundação do Clube Republicano Pedro Velho, no então distrito de
Cuitezeiras. O clube tinha por norte os seguintes pontos: 1 – Sustentar o
ideário republicano; 2 – Trabalhar pelo bem moral e material do Rio Grande do
Norte e em particular de Cuitezeiras; 3 – Reagir contra a restauração da
política imperial “claramente, francamente e denodadamente”.
Em 12 de dezembro de 1891, o clube republicano
Pedro Velho, enviou correspondência se congratulando com a junta governativa
estadual e João Cunhaú, membro, assinou.
Posteriormente o município instalado, João Cunhaú
foi eleito intendente de Cuitezeiras, cargo no qual faleceu no dia 05 de agosto de 1896, aos 61 anos de idade.
Seus restos mortais encontram-se no jazigo da família no cemitério público de
Canguaretama. Sua fama persistiu durante anos no imaginário popular do estado.
Câmara Cascudo ainda recolheu algumas passagens de sua vida. Mas indagava sobre
o paradeiro de seus filhos. Os filhos de João Cunhaú e de Luzia Antônia pouco
herdaram do pai. André faleceu solteiro em Canguaretama. Maria Antonieta mudou
para o Rio de Janeiro onde casou e deixou descendência.
Benedita Maria da Conceição ficou no RN. Morou
entre Canguaretama e São José de Mipibú onde herdou uma pequena propriedade
rural e vivia isolada, envergonhada das tantas histórias e lendas que envolviam
seu avô Dendé e seu pai João Cunhaú. Benedita teve duas filhas de Pedro
Ferreira da Silva, filho do coronel Felipe Ferreira da Silva (de Mangabeira, Arêz)
e Joana Olímpia Ferreira da Silva, e mudou-se para Macaíba, onde faleceu em
1943. Suas filhas foram Maria das Neves, casada, sem filhos, residiu e morreu
em Porto Alegre-RS e Sebastiana Ferreira da Silva, casada com Silvino Tavares
de Souza, meus bisavós maternos.
Luzia Antônia, Benedita Maria da Conceição e Sebastiana. Mulher, filha e neta de João Cunhaú. Acervo: Instituto Tavares de Lyra.