Em
junho de 1906, o presidente eleito Afonso Pena que governou o país de 15 de novembro
de 1906 a 14 de julho de 1909, quando de seu falecimento, empreendeu visita aos
estados do Nordeste. Logo na chegada a Natal, foi saudado pelo governador Augusto
Tavares de Lyra com um discurso que saiu dos moldes da louvação para apontar
uma realidade dura:
[...] ao espírito
clarividente de V. Exª. não escaparão, por certo, as causas do atraso e pobreza
em que vivemos. O nosso problema por excelência é como o de todos os Estados, o
problema econômico, cuja solução mais difícil se torna pela inconstância das
estações, pelas crises climáticas periódicas que nos tortura e flagelam.
Sujeita a oscilações e alternativas de toda ordem, nossa situação é embaraçosa
e delicada. (LACOMBE, 1986, pág. 332).
Impressionado
com o discurso de Tavares de Lyra, o presidente Afonso Pena convidou-o para
dirigir a pasta da Justiça e Negócios Interiores. Julgando-se inexperiente para
o cargo, o governador quis declinar do convite, passando então a se comunicar,
por telegramas, com o senador Pedro Velho, que se encontrava no Rio de Janeiro:
Não tenho prestigio
próprio, não disponho confiança pessoal Presidente, de quem nunca tive
aproximações qualquer ordem. Nestas condições não terei força bastante resistir
amigos, sem cujo apoio não poderei manter-me. Receio minha demora pasta seja
pequena. [...] não poderei desempenhar cargo condignamente. Sabe bem vou
despertar inveja, ciúmes, precisando duplicar esforços. Reflita bem. Se me dá
liberdade agir, recuso terminantemente. (LYRA, 1910, pág. 38).
O
senador Pedro Velho respondeu advertindo o quanto seria “desairosa” ao presidente,
a recusa de Tavares de Lyra, ao mesmo tempo que pedia para que esperasse sua chegada
ao Estado para uma resposta. Adiantava que a indicação do seu nome para
ministro partiu de Belo Horizonte sem nenhuma ação dele.
Advertia
ainda que, uma recusa poderia tornar o Partido Republicano do Rio Grande do
Norte de “esquerda” e “Querendo deixar depois por cansaço ou aborrecimento não
faltarão hábeis, aceitáveis motivos. Irás então Senado ou voltarás governo”.
(LYRA, 1910, pág. 38).
Após
o dialogo (por telegrama) com Pedro Velho, Tavares de Lyra aceitou o cargo.
Constituiu entre os pares, o que os antigos políticos denominaram de Jardim da Infância,
uma reunião de jovens políticos que apoiavam administrativamente o Presidente Afonso
Pena.
Na
Capital política, econômica e cultural do país “diferentes visões de mundo conviviam
e fundiam-se no mesmo espaço social, compondo a sinfonia da cidade e redefinindo
os padrões de comportamento” (MORAIS, 2002, pág. 33). Dentro deste ambiente a rotina
governamental é descrita por Tavares de Lyra, historiando essa fase da vida
republicana em conferência no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB). Anos depois, relembrando o governo de Afonso Pena, Tavares de Lyra
afirmava que “Administrativamente, sua presidência foi um período de labor
fecundo para a solução imediata ou oportuna de problemas fundamentais do país”.
(LYRA, 1939, pág. 907).
Sobre
sua passagem pelo ministério da Justiça e Negócios Interiores, Tavares de Lyra
apontou:
[...] neste ministério,
como nos outros cargos de administração que tenho exercido, os meus processos
de moderação, que não exclui a firmeza, foram sempre os mesmos a que obedeceu a
minha orientação política. Ninguém pode inverter o seu feitio. Bons ou maus
esses processos? As vossas homenagens traduzem para mim a certeza de que não os
condenais, reconhecendo, pelo contrario, que – honestos em seus intuitos e
eficazes em seus efeitos – eles contribuíram um pouco para a realização da obra
empreendida pelo atual governo. (LYRA, 1918, pág. 21).
Durante
o tempo em que permaneceu a frente da pasta da Justiça e Negócios Interiores, tendo
por base os seus relatórios ministeriais, observamos que Tavares de Lyra teve a
oportunidade de reorganizar muitas instituições importantes para a consolidação
da República, mas, segundo o próprio testemunho que emana de suas
memórias,“[...] a todos, porém, sobrelevava a reforma do ensino público” (LYRA,
1943a, pág. 06). Problema que preocupava desde os tempos de educador, ainda em sua
terra, e que observamos em documentos oficiais, especialmente em
circunstanciada exposição de motivos (ANEXO A), que, encaminhada por mensagem
presidencial, foi presente ao Congresso Nacional em junho de 1907.
Na
exposição concretizou, justificando as bases sobre as quais, a seu entender, deveria
repousar a referida reforma:
Quanto ao ensino
primário: fundação de escolas nas colônias civis e militares e nos territórios
federais; subvenção a escolas fundadas por particulares e associações; auxílios
às municipalidades e governos estaduais, mediante acordos, nos termos e pela
forma que indicava; ensino gratuito; programas uniformes oficialmente
aprovados; compromisso por parte dos Estados de manterem as escolas
subvencionadas logo que cessasse o auxílio da União e de não reduzirem, em
hipótese alguma, a dotação orçamentária destinada à instrução primária na data
da celebração dos acordos. Em relação ao ensino secundário: divisão do ensino
em dois ciclos, um, fundamental, de quatro anos, e outro, complementar, de
três; inclusão no primeiro ciclo do estudo do português, francês, inglês,
cálculo aritmético e algébrico, geometria plana, geografia geral, geografia e
história do Brasil, desenho; e no segundo, dividido em duas secções, - bacharelato
em ciências ou letras -, matemática, história geral, elementos de física,
química e história natural, latim, grego, italiano ou alemão (a escolha),
literatura e lógica; faculdade de matricularem-se nos institutos técnicos aos
que concluíssem o primeiro ciclo de estudos e de concorrerem ao exame de
admissão nos cursos superiores aos que tivessem diploma do segundo; idade
mínima de dez anos para matrícula no primeiro ano do curso fundamental;
desdobramento de turmas; exames de promoção pela média das notas e das provas
parciais feitas durante o ano; revisão cuidadosa dos programas, evitando-se no
primeiro ciclo as sobrecargas inúteis e imprimindo-se ao ensino feição prática,
com conhecimentos gerais e magistério como condições preferenciais para a investidura
no professorado; o concurso de provas, em regra uma burla, seria meio
subsidiário para aferir a capacidade dos candidatos; nomeação dos professores
por certo número de anos, só lhes sendo concedida a vitaliciedade depois da
recondução; disponibilidade dos professores quando completassem 25 anos de
magistério ou 65 de idade; equiparação de institutos de ensino limitada aos que
fossem fundados e custeados pelos Estados e pelo Distrito Federal. No concernente
ao ensino superior, reconhecia as vantagens e os defeitos do Código de Ensino,
lamentando que as interpretações cavilosas o houvessem tornado imprestável
antes de ser aproveitáveis, uma melhor divisão dos cursos, a docência livre, o
exame vestibular, a limitação de matriculas, o alargamento da autonomia das congregações,
outras medidas a consubstanciar em regulamentos ou regimentos internos. (LYRA,
1943a, pág. 6-7).
Propunha,
como fecho da reforma, duas criações novas: a da Junta ou Conselho Superior do
Ensino e a do serviço de fiscalização permanente deste por um órgão especializado.
A primeira, sob a presidência do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, centralizaria
o estudo de todos os assuntos referentes ao ensino, com audiência obrigatória
em alguns casos e atribuições consultivas ou deliberativas em outros; a segunda
viria substituir o regime de favoritismo já condenado da nomeação de fiscais
junto a determinados institutos.
Para
Tavares de Lyra o de que precisávamos era de um corpo de funcionários, – inspetores,
delegados e auxiliares –, independentes e idôneos, com preparo técnico comprovado
perante a Junta ou Conselho e direitos e deveres expressamente definidos.
Em
1907, ele elabora um projeto de reforma do ensino por entender que a educação
deveria ser abordada sob múltiplas faces. Naquela época, o país mudava economicamente
do modelo agrário para o industrial e era necessário capacitar mão de obra, o que
também motivou o presidente Afonso Pena encaminhar o projeto para discussão e apreciação
pelo Congresso Nacional.
Em longa exposição à
Câmara dos Deputados, Lyra advogava em prol da intervenção da União no ensino
primário, ponderando que a reforma que se fazia fundamental no momento era a da
instrução pública. Para tal, considerava como primeira questão a ser resolvida:
a competência da União para legislar sobre o ensino. No mesmo ano, Teixeira
Brandão, em nome da Comissão de Instrução Pública, apresentou à Câmara um
projeto de reforma da instrução pública, formulado com base na exposição do
ministro do Interior. Ao dizer que a reforma do ensino público é uma
necessidade consensual que vem sendo proclamada, desde a Câmara até a opinião pública,
como fundamental aos destinos da nacionalidade, chama atenção para a
complexidade da questão em face ao texto constitucional. Atendendo ao texto, a
reforma advoga em prol da intervenção indireta da União por meio de acordo com os
governos locais. (MACHADO; SCHELBAUER, 2003, pág. 4-5).
No
sentido de modernizar o país, os políticos brasileiros acreditavam que deveria investir
na educação do povo, assim como haviam feito outros países, como a Alemanha, a Prússia
e os Estados Unidos da América (MACHADO; SCHELBAUER, 2003).
A
Proclamação da República possibilitou o desenvolvimento da indústria no país, mas
o sistema educacional continuou com poucas iniciativas que pusessem em prática
os projetos político-educacionais (NAGLE, 1976). Para se chegar aos fundamentos
dos projetos apresentados, coloca-se como fundamental vencer a ignorância e o
analfabetismo da maioria da população brasileira por meio da educação (AZEVEDO,
1971).
A
educação das massas populares como solução para os problemas do país envolvia
várias direções, cabendo ao Estado as devidas providências político-pedagógicas
de organização e regulamentação (NISKIER, 1989; SAVIANI, 2000; 2004). Para
Nagle:
Uma das maneiras mais
diretas de situar a questão consiste em afirmar que o mais manifesto resultado
das transformações sociais mencionadas foi o aparecimento de inusitado
entusiasmo pela escolarização e de marcante otimismo pedagógico: de um lado,
existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da
disseminação da educação popular, será possível incorporar grandes camadas da
população na senda do progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das
grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas
formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a
verdadeira formação do novo homem brasileiro [...] (NAGLE, 1976, pág. 99-100).
As
questões referentes ao papel do Estado no financiamento da educação primária
ocupam lugar de destaque neste texto. Para Tavares de Lyra (BRASIL, 1918), era necessário
que o Estado financiasse a educação, sobretudo, a educação primária. O Ministro
cita, em sua exposição, a interpretação de João Barbalho (comentador da lei),
que afirmava não ser a instrução pública uma prioridade do Estado. Este ocupar-se-ia
apenas do incentivo à iniciativa privada e supriria as possíveis carências,
voltando-se mais à criação de institutos técnicos de preparo para o serviço
militar. Araripe Júnior (BRASIL 1918) por sua vez, era contrário a essa idéia
e, ao comentar a lei, afirmava que ela dava poder à União no que dizia respeito
à instrução primária nos Estados, desde que houvesse respeito às leis ali
vigentes.
Segundo
Tavares de Lyra (BRASIL, 1918), nos Estados Unidos a instrução primária se
difundiu rapidamente, apesar da pouca intervenção da União, indicando que, ali,
os Estados dispensavam uma ação central mais efetiva. Os americanos, segundo
ele, investiram com tal afinco na educação, especialmente após a chegada dos
imigrantes, que, diferentemente do Brasil, já contavam com um regime de escolas
públicas sólido no início do século XX.
No
Brasil, entretanto, a população era pequena em relação ao território e não havia
diversidade religiosa, somando-se ao fato de que os Estados e municípios não dispunham
de condições para financiar escolas, o que exigia uma maior interferência por parte
da União (BRASIL, 1918).
Possuindo um vasto
território com pouca densidade de população, ainda nas regiões mais cultivadas,
não tivemos e não temos nem a variedade de confissões religiosas, nem a
iniciativa particular – que foram ali elementos poderosos da difusão do ensino –
para entrarem em concorrência com os Estados e com as municipalidades – que, em
geral, não dispõem de rendas para o custeio de escolas na proporção das
necessidades do país – oferecendo os seus esforços e recursos pecuniários para
a obra da educação do povo, e daí a obrigação que decorre para a união de não
deixar inertes as faculdades de que foi investida no art. 35, n. 2, da
Constituição da República (BRASIL, 1918, p. 5).
Para
Hilsdorf (2006, pág. 58), além das transformações pelas quais passava o país naquele
momento, pode-se destacar alguns fatores relevantes que exerceram influência
sobre o pensamento e o discurso dos intelectuais e políticos brasileiros da
época, como a presença do capital estrangeiro –inicialmente o inglês e, depois,
o americano – tendo como conseqüência uma "aproximação a Washington"
nos campos da cultura e da política.
A
circulação de novas idéias também possibilitava o contato com outras doutrinas e
correntes de pensamento, como o positivismo, o industrialismo cosmopolita e o
ruralismo. Para Nagle:
É diante desse quadro de
transformações – tanto no nível dos setores econômico, político e social,
quanto no nível do setor cultural – que se deve analisar a escolarização, nas
suas variadas facetas; em outras palavras, com essa apresentação construiu-se o
necessário ‘vestíbulo’ para a análise desse processo, pois foram apontadas as
interrogações mais significativas. Dessa forma, a escolarização é tida como um
dos elementos do subsistema cultural; portanto, um elemento que deve ser
analisado e julgado em combinação com os demais elementos da cultura
brasileira, e com as condições da existência social definidas na exposição dos
setores político, econômico e social. Aceitando-se a idéia de que a sociedade
brasileira do tempo passa de um a ‘sociedade fechada’ para uma "sociedade
aberta", torna-se necessário identificar o papel que a escolarização
desempenhou, no sentido de favorecer ou dificultar a passagem [...] (NAGLE,
1976, pág. 99).
De
certa forma, as discussões dos parlamentares refletem bem as divergências do período.
Entretanto, havia entre eles um consenso em relação à importância da instrução
para um país republicano adepto do sufrágio universal. Ora, se o voto
constitui-se em um direito de todo cidadão alfabetizado, como democratizá-lo em
uma nação repleta de analfabetos?
Em
11 de setembro de 1907, o projeto é exposto à consideração da Câmara pelo deputado
José Carlos Teixeira Brandão, presidente da Comissão de Instrução, que afirmou
ser a reforma uma medida urgente para solucionar o problema do analfabetismo no
país (BRASIL, 1918). Para esse deputado, todas as nações desenvolvidas
procuravam permitir uma maior intervenção da União nas questões relacionadas ao
ensino. A própria Constituição do Brasil de 1891 atribuía ao município a
instrução primária, ao Estado a secundária e à União e aos Estados a secundária
e superior, não impedindo, entretanto, que se fizessem intervenções
necessárias, desde que respeitados os governos locais e suas respectivas legislaturas.
Essa medida, segundo ele, legitimaria a soberania da jovem República
(BRASIL,1918).
José
Carlos Teixeira Brandão acreditava que o Estado não doutrinaria os governos locais
ao interferir no ensino público. Afirmou que a Câmara dos Deputados assinalara
as principais reivindicações do Ministro, sem ater-se aos detalhes para não
atrasar a reforma do ensino. Assim, elaborou o projeto, composto de três
artigos, que objetivavam responsabilizar o Governo pela reforma do ensino
secundário e superior e pela promoção e difusão do ensino primário, levando em
consideração todas as necessidades detectadas por Tavares Lyra quanto à
interferência da União nos governos estaduais e municipais; formação, seleção e
tempo de trabalho dos professores; equiparação dos colégios públicos;
contratação de delegados; subvenção das escolas particulares; organização das
disciplinas; admissão no ensino superior; instituição da livre docência;
criação do Conselho de Instrução; extinção dos exames parcelados, dentre outros
(BRASIL, 1918).
Os membros da Comissão
assinaram e fizeram algumas observações sobre o projeto, elogiando-o, em
particular, pela autorização dada ao Governo para difundir o ensino primário,
condição imprescindível para que o país alcançasse o ''progresso" dos
países modernos. Além disso, enalteceram os estudiosos do ensino, que analisaram
o problema com afinco (BRASIL, 1918).
Para
eles, a República não poderia mais adiar a reforma depois do projeto, que reunia
as principais necessidades educacionais do país e, por esse motivo, esperavam
que não surgissem problemas que pudessem impedir sua concretização, já que
desestimularia aqueles que ainda acreditavam na lei (BRASIL, 1918, p. 17).
A
instrução primária é reconhecida pelos membros da Câmara como a base de todo o
progresso dos povos (BRASIL, 1918, pág. 29). Para eles, ela constituía-se em uma questão
social que preocupava todos os países civilizados e envolvia governantes ou até
meros interessados, formando uma boa bibliografia sobre o tema e provando que a
Europa tinha aderido ao movimento de difusão do ensino primário. A América, no
entanto, não demonstrava muita preocupação com a educação do povo, porque
enquanto o século XIX na Europa havia sido denominado de "século da
instrução primária", o Brasil, formado em sua maioria por ex-escravos e
imigrantes, não se atentava para o problema:
Nós brasileiros, que
contamos uma população formada de elementos saídos da ignorância das senzalas e
dos viciosos e desgraçados costumes das fazendas do sul e dos engenhos do
norte, ali mesclados por laivos de uma imigração trazida a granel e sem
escolha, nos devemos compenetrar da necessidade absoluta, imperiosa, de erguer
as camadas populares, que se vão formando, da ignorância degradante em que se
debatem (BRASIL, 1918, pág. 30).
Para
a Comissão de Instrução, nem o fim da escravidão, a Proclamação da República e
a organização dos Estados em federações fizeram avançar o ensino no Brasil.
Com
base na Constituição, os governos estaduais fecharam muitas escolas primárias,
entendendo que estas deveriam ficar a cargo dos municípios. Houve uma má interpretação
da lei e os municípios pobres tiveram que resolver o problema como podiam, com
escolas distantes, diretores incompetentes e professores mal pagos, provando
que aquilo que funciona em um país como os Estados Unidos, nem sempre
funcionará em outro (BRASIL, 1918).
Os
municípios, segundo os membros da Comissão, deveriam ter autonomia, mas não
estavam preparados para resolver um problema que estava além de sua capacidade administrativa,
visto que os prejuízos à educação popular e aos direitos privados e sociais eram
incalculáveis. O Brasil precisava defender a democracia e a autonomia
municipal, porém nunca esquecer de que seus municípios não eram tão ricos como
os americanos e europeus (BRASIL, 1918). Os parlamentares acreditavam, em sua
maioria, que se a instrução primária interessava aos municípios, muito mais
interessaria aos Estados, que poderiam fazê-la progredir.
Não compreendemos como,
em respeito à independência dos municípios e com receio de ferir-se-lhes as
prerrogativas e liberdades, se lhes outorga a instrução primaria, abstendo-se
completamente os Estados de toda e qualquer ingerência em tão importante assunto,
que, si interessa aos municípios, também interessa e muito mais aos Estados,
que podem dar-lhe mais desenvolvimento e impulso, por isso mesmo que dispõem de
mais copiosos recursos e tem mais larga esfera de ação (BRASIL,1918, pág. 33).
A
fim de comprovar sua afirmativa, os deputados citam o exemplo da Bélgica que,
após a Revolução de 1830, entregou sua instrução primária às comunas e a
situação ficou caótica, levando a maioria dos professores a procurar outra
fonte de renda, até que o poder central decidiu intervir (BRASIL, 1918). A
Alemanha e os Estados Unidos, por apoiarem suas municipalidades para que estas
pudessem exercer sua autonomia, levaram o título de “país onde a instrução
popular moderna é melhor aplicada e difundida”, demonstrando que, apesar de não
haver ali um governo único, havia entre eles um sentimento de unidade
(BRASIL,1918).
Na
verdade, os intelectuais acreditavam que a educação americana se diferenciava,porque
preparava para a ação e a independência, enquanto a brasileira educava para a
obediência e a disciplina. Discutiam o problema da França que, apesar de muito
falar sobre instrução pública, não priorizava a arte, a literatura e as
ciências e contava com um grande número de analfabetos. “Ora, se os franceses
tanto discutiam educação e não tinham colhido os frutos desejados, o que seria,
então, do Brasil, que sofria a falta de professores, prédios, programas e
métodos adequados?” (BRASIL, 1918, pág. 35).
Os
membros da Comissão de Instrução acreditavam ser imprescindível que a instrução
primária se tornasse obrigatória. Para eles, a fraqueza dos governantes
atrasava o desenvolvimento da nação e a preparação do povo para a prática da democracia.
Pretender, acastelado
nos princípios da democracia e nos conceitos da liberdade individual, combater
a obrigatoriedade do ensino primário, é defender a ignorância das massas, que
tantos males acarreta, prejudicando-lhes o bem estar futuro, o progresso do país
e o seu desenvolvimento; é dizer ao povo: vós não compreendeis as vantagens da
educação, tendes natural aversão à escola, por isso mesmo que não lhe medis o
alcance; pois bem, não vades à escola, por que sois livres, porque sois
cidadãos, porque ninguém poderá obrigar-vos a frequentá-la; permanecei
ignorantes e estais no vosso direito! (BRASIL, 1918, pág. 37).
Assim,
a Comissão defendia que a imposição era necessária mesmo em governos democráticos,
para que a sociedade não corresse o risco de cair em desordem, ou seja, numa situação
de conflito social. Portanto, se os pais não compreendiam a importância da
instrução, o Estado deveria ter o direito de obrigá-los a enviar os filhos à
escola, evitando a vagabundagem, a ignorância e o trabalho precoce (BRASIL,
1918, pág. 41).
Se o pai não educa os
filhos, se não compreende as vantagens da instrução Elementar, dos
conhecimentos que escola proporciona para serem bons cidadãos e homens uteis, o
Governo que os arranque da indolência para os mandar às aulas públicas.
No
entanto, discutia-se também o problema dos recursos financeiros necessários para
manter uma criança na escola, uma vez que a obrigatoriedade exigiria do Governo
a responsabilidade com as despesas de manutenção e funcionamento, além da
garantia do acesso e permanência dos alunos provenientes de famílias mais
carentes. Manter a escola pública era um desafio que o país tinha que encarar
para fazer frente às necessidades que surgiram com a Proclamação da República. (BRASIL,
1918).
Se o Estado decreta a
obrigatoriedade, se pais e tutores são obrigados, sob penas estabelecidas, a
mandar os filhos, tutelados e protegidos à escola, quando eles não dispõem de
recursos, o Governo tem o dever de atender-lhes às necessidades, fornecendo ás crianças
a roupa e os livros de que carecem para as aulas. A obrigatoriedade traz, como
consequencia, a escola gratuita, além de outros encargos (BRASIL, 1918, pág. 43).
A
instrução pública no Brasil, segundo os parlamentares, não havia sido organizada
de acordo com a pedagogia moderna; apenas copiava idéias estrangeiras de
difícil execução e desprezava bons projetos por divergências políticas (BRASIL,
1918). Rui Barbosa já afirmara, em 1882, que nosso ensino era decadente,
atrasado e vergonhoso e que a reforma fazia-se urgente (BRASIL, 1918).
Porém
a maior parte dos deputados concordava com o fato de que o Brasil não poderia
espelhar-se em outros países para concretizar seus planos, já que a educação
deveria formar o cidadão apto para viver aqui e, por esse motivo, achava-se desnecessário
sobrecarregar as crianças com disciplinas abstratas e "fúteis", tendo
em vista que a maioria delas passaria poucos anos na escola.
Não compreendemos que
nos programas de aulas elementares, destinadas a dar ao nosso povo a educação
de que ele carece para desenvolver o seu espírito, aguçando-lhe a observação,
tornando-o apto á vida moderna, se façam outras exigências que não estas:
lições de coisas, leitura e escrita de nossa língua, explicando e
exemplificando o professor os factos principais e correntes de nossa gramática;
ginástica; operações numéricas necessárias á vida comum; ligeiras noções de geografia
e historia do Brasil; cosmografia; desenho e canto, devendo contar-se a
Constituição da República entre os livros didáticos (BRASIL, 1918, pág. 45).
Para
Veríssimo (1985, pág. 57), “[...] uma educação para ser nacional precisa que a inspire
o sentimento da Pátria e que a dirija um fim patriótico”. Assim sendo, era
necessário adequar o ensino público às características brasileiras, sem
menosprezar os preceitos da pedagogia moderna, tão estimados nos países
desenvolvidos.
A
criança educada no Brasil deveria aprender tão logo o amor e o respeito à
Pátria e suas energias deveriam ser canalizadas para o serviço e dedicação ao
país. Para tanto, primeiramente, as crianças deveriam ser estimuladas a vencer
a apatia natural dos brasileiros, que, segundo o mesmo autor, constituía-se em
uma herança cultural a ser superada. Veríssimo (1985) acreditava que a
brincadeira poderia contribuir nesse aspecto, à medida que possibilitava o
desenvolvimento da vontade desde os primeiros anos de vida.
Quando
a criança, porém, for apática, indolente, cumpre desenvolver-lhe a vontade, a
qual não é senão uma maneira de ser da energia, incitando-a e procurando
desafiar nela o sentimento do brio, da dignidade e da honra. Ela não quer
brincar, incitai-a a brincar, mostrai-lhe as outras que brincam, brincai com
ela, fazei-lhe sentir o atrativo dos brinquedos, arrastai-a brandamente e
persuasivamente a brincar.
Na
escola, as lições de coisas deveriam ser explicadas de acordo com a capacidade
de compreensão das crianças; os objetos deveriam ser familiares a elas e o professor
procuraria ultrapassar o conhecimento cotidiano dos alunos. A leitura da Constituição
faria com que as crianças conhecessem seus direitos e deveres e adquirissem amor
à Pátria, sem o qual um povo, segundo os parlamentares, torna-se indiferente e
escravo (BRASIL, 1918).
Os
deputados defendiam que a escola é capaz d e deixar fortes impressões nos indivíduos
e, por esse motivo, seu dever seria educá-los de acordo com a Constituição do
país e, assim, formar bons cidadãos capazes de exercer a democracia. Para
tanto, o Brasil deveria preparar professores aptos e capazes d e estimular a
curiosidade natural das crianças, sem exigir lições decoradas e conhecimentos
sem utilidade prática (BRASIL, 1918).
Em
relação a questões de ordem pedagógica, pode-se afirmar que os parlamentares,
de um modo geral, concordavam com os preceitos da pedagogia moderna e com a
necessidade de adequar o ensino às novas necessidades do país. No entanto, o
problema da intervenção da União na instrução primária dividia a Câmara e
causava polêmica. O deputado Affonso Costa (BRASIL, 1918), por exemplo,
afirmava ser a instrução primária um negócio público e, por isso, um problema
de toda a Nação. Para ele, em governos aristocráticos, o ensino elementar pode
até ser abandonado, mas em um regime democrático, que exige do povo saber ler e
escrever, o Estado não pode omitir-se.
O
deputado Affonso Costa cita o Estado de São Paulo como o maior investidor em
educação da época e que, mesmo assim, conseguia manter poucas crianças em
escolas públicas. Sua afirmativa confirmava a defesa de que a União deveria
intervir na instrução primária de todos os Estados, sobretudo dos mais
carentes.
No entanto, o nosso atraso
é tão grande em matéria de instrução primaria, que no próprio Estado de São
Paulo, onde o Governo despende quantia fabulosa com a manutenção de escolas
primárias, a infância só frequenta as aulas públicas na proporção de 2% da
população! Se nesse Estado, cuja maior glória é derramar as mãos cheias a instrução,
a infância apenas na proporção de 2% frequenta as escolas primarias, que
poderemos dizer dos outros Estados, onde, pelo apoucado de suas rendas, a instrução
primaria é tão parca, tão escassamente distribuída? (BRASIL, 1918, pág. 155).
O
mesmo deputado afirmava que a intervenção poderia ser direta, mediante a criação
de escolas primárias nos Estados. Acreditava que a medida não prejudicava os Estados,
desde que as crianças não fossem obrigadas a freqüentar escolas federais, em prejuízo
das estaduais. Porém, sua idéia gerava muitas contestações pelo fato de alguns parlamentares
considerarem-na inconstitucional. A estes, o referido parlamentar dirigiu a seguinte
afirmação:
Está individualmente
convencido de que, de acordo com a Constituição, sem ofensa aos direitos dos
Estados, a União pode criar escolas primárias suas nas diferentes cidades e,
com maioria de razão, pode subvencionar escolas dessa natureza. Bem se vê que
na própria Republica Norte Americana, nos Estados Unidos, não são peregrinas
estas ideias, esta doutrina da intervenção e que, se a União não legisla diretamente,
não deixa de subvencionar por modo indireto a iniciativa particular, tão eficaz
naquele país (BRASIL, 1918, pág. 158).
O
deputado carioca José Carlos Teixeira Brandão (BRASIL, 1918), mediante às críticas
voltadas ao projeto, pronunciou-se em defesa do mesmo. Para ele, ao estabelecer
o sufrágio universal, o país criara a necessidade de erradicar o analfabetismo.
Portanto, apesar das deficiências, a Comissão de Instrução procurava, segundo
ele, estabelecer um acordo entre União e Estados em relação ao ensino público.
Não é possível, na situação
em que nos achamos, com a Constituição que nós adoptamos, estabelecer uma
reforma do ensino integral. Entretanto, os encargos do regime republicano,
estabelecendo o sufrágio universal, mostram a necessidade palpitante que tem todos
os cidadãos de saber ler, de conhecer os direitos e os deveres que lhes
assistem, por isso que são chamados como fazendo parte da soberania popular
para eleger as pessoas a quem se devem incumbir altos cargos administrativos.
Por outro lado, as dificuldades que nós sabem os existem em grande numero,
relativas à impossibilidade material do poder central pro ver as necessidades
do ensino público em todo o país, nos levaram a aceitar uma ideia já consignada
no orçamento passado, autorizando o Governo a entrar em acordo com os Governos dos
Estados, visto que, como há pouco disse, o Governo central não pode entrar no território
dos Estados para criar escolas (BRASIL, 1918, pág. 233).
José
Carlos Teixeira Brandão (BRASIL, 1918) afirmava que o regime republicano exigia
uma educação social que libertasse o indivíduo da necessidade da ação do
Estado, mas isso se daria de forma gradativa. Acreditava que o espírito do
projeto era nobre, porque se resumia em procurar desenvolver o raciocínio do
jovem brasileiro para que se tornasse um cidadão melhor.
José
Bonifácio de Andrada e Silva, deputado por Minas Gerais (BRASIL, 1918) elogiou
o acordo entre União e Estados proposto pelo projeto. Segundo ele, a Comissão afastou
o pretexto da inconstitucionalidade da intervenção e, assim, procurou
proporcionar ao povo os requisitos necessários à sua participação política.
Virgílio de Lemos, por sua vez, criticou o acordo por acreditar que o projeto
criava com ele dois sistemas de intervenção: a direta e a indireta. A
intervenção indireta, entendia, poderia ocasionar diversos males à instrução
primária; o auxílio da União à iniciativa privada poderia criar uma espécie de parasitismo
do ensino primário.
Três
conseqüências poderiam decorrer do projeto: a desmoralização da União, o mercantilismo
do ensino primário e a sobrecarga para os cofres da União, sem o resultado esperado
à educação popular. Para Lemos (BRASIL, 1918), nem a exposição de motivos do Ministro
Tavares Lyra, nem o projeto elaborado pela Comissão possuíam um plano completo e
integral de reorganização do ensino público. Acreditava ser preciso analisá-lo minunciosamente
antes de aprovar a reforma. Afirmou:
Não me parecem aceitáveis
as medidas propostas pela honrada Comissão para debelar a crise, ou antes, para
debelar esse crônico e permanente estado mórbido, que é o nosso analfabetismo. Tais
medidas se acham exaradas nas seguintes letras do art. 1º do projeto:
a) estabelecer escolas
nas colônias civis e militares e nos territórios federais;
b) subsidiar
temporariamente escolas fundadas por particulares e por associações;
c) auxiliar as
municipalidades e os governos estaduais, mediante acordo com estes, para
fundação e manutenção de escolas nas localidades onde não existirem, ou onde,
existindo, forem insuficientes para a respectiva população. (BRASIL, 1918, págs.
330-331).
Virgílio
de Lemos não admitia que o Brasil copiasse a prática de países como a Inglaterra
e os Estados Unidos, onde a iniciativa privada funcionava, visto que, aqui, ela
era, na sua opinião, completamente nula. Outra contradição que via no projeto
encontrava-se no artigo 1, n. VI, que determinava que o ensino seria leigo e
gratuito, sem, contudo, responsabilizar a União por todas as despesas com o
ensino primário, deixando a seu cargo apenas o auxílio e a subvenção. Os
auxílios prestados pela União às municipalidades e aos Estados poderiam, em sua
opinião, fazer com que estes reduzissem seu investimento na instrução primária,
sobrecarregando a União. Além disso, Virgílio de Lemos afirmava que alguns
governos locais não tinham condições de promover o desenvolvimento e a difusão
do ensino, enquanto outros tinham e, mesmo assim, não cumpriam seu dever. (BRASIL,
1918).
Sua
proposta era a intervenção direta da União nos territórios federais e
estaduais, sob as seguintes condições: para criar escolas nos Estados, a União
deveria certificar-se da inexistência de escola pública na localidade
beneficiada, da existência comprovada de pelo menos 30 crianças em idade
escolar na região e obter a petição assinada pelos pais ou responsáveis.
Poderia, ainda, contar com juízes secionais para garantir a execução da lei de modo
a evitar o parasitismo e garantir a criação de uma escola brasileira adaptada
às condições físicas e econômicas do país (BRASIL, 1918).
Augusto
de Freitas deputado pelo estado de Alagoas foi o parlamentar mais contrário ao
projeto, por considerá-lo ineficaz para sanar os inúmeros problemas que
atingiam a instrução pública brasileira. Em suas extensas discussões com os
demais membros da Câmara, não procurava esconder sua antipatia pela obra da
Comissão. Afirmava ser o projeto uma “homenagem ao Governo” (BRASIL, 1918, p.
198) e complementava que ele possuía “[...] cousas boas que não eram novas e
cousas novas que não eram boas” (BRASIL, 1918, pág. 200).
Disse, é verdade, Sr.
Presidente, que o projeto de reforma da instrução é uma farsa, uma burla, uma penácea;
não era um remédio eficaz aos males que nos afligem, que ao em vez de sanar
esses males, os agrava, amontoando as dificuldades para o dia de amanhã
(BRASIL,1918, pág. 354).
O
deputado Pedro Moacyr, por sua vez, julgava o projeto inconstitucional, porque submetia
as escolas primárias a duas autoridades: federal e estadual ou municipal. Manifestava-se
contrário à intervenção da União no ensino primário, visto que, para ele, essa função
competia aos Estados, sendo que a única forma admissível de intervenção seria o
auxílio ou subsídio e sem a devida fiscalização do Governo Federal (BRASIL,
1918).
Se o professor primário,
se todo o aparelho do ensino primário tiver de obedecer a duas direções, a duas
autoridades, simultaneamente, o menor mal que pode resultar daí é a completa anarquia
no ensino, que precisa de unidade, de homogeneidade (BRASIL, 1918, pág. 382).
Para
Manoel Bonfim, deputado paraibano, apesar de a Constituição não ter explicitado
devidamente o dever da União em relação ao ensino primário, estava claro que o Governo
deveria concorrer para isso, como ocorria nos países considerados civilizados. Propunha
que o Governo da União criasse e mantivesse escolas como qualquer particular e sugeria
uma emenda que permitisse a criação de escolas normais federais. Propôs também
que os Estados onde a renda percapita fosse menor recebessem maior subsídio e
que se estabelecesse um acordo para que os Estados não diminuíssem seus
investimentos em instrução primária, para que não deixassem o problema inteiramente
sob a responsabilidade da União (BRASIL, 1918).
O
deputado sergipense Maurício Graccho Cardoso, concordando com Bonfim, esclarecia
ser “[...] o ensino a mola real das sociedades que se encaminham aos seus
destinos, olhos fitos no porvir, trilhando o presente, sem, contudo, esquecerem
os vestígios do passado” (BRASIL, 1918, pág. 415). Em discurso à Câmara, afirmou:
Em verdade, senhores,
sem instrução primária, que é o complemento integral da democracia, larga e
criteriosamente difundida, o voto livre, pedra angular da igualdade política,
será em toda parte o que há sido para nós outros nestes dezoito anos de idas e
vindas, de avanços e de recuos: pura ficção, miragem, sofisma! (BRASIL,1918, pág.
417).
Para
ele, a obrigatoriedade do ensino seria uma forma eficaz de vencer a ignorância.
No entanto, Graciano Neves era contrário a ela, por ser partidário do ensino
livre e da liberdade profissional, afirmando que a obrigatoriedade forçava os alunos
a se formarem sem vocação, constituindo um proletariado intelectual.
O ensino obrigatório é aquele
que estabelece, como um dogma, que ninguém pode espontaneamente estudar; é,
pouco mais ou menos, na esfera pedagógica, aquilo que em religião é o dogma católico
da mácula original que só pode ser lavada pela graça de Deus. Neste caso, a
graça é a do Estado [...] (BRASIL, 1918, pág. 443).
Para
o deputado Passos de Miranda, as condições precárias do Brasil em matéria de
ensino tornavam necessários os estímulos à iniciativa privada, que deveria
caminhar, defendia, ao lado do ensino oficial.
Há três conceitos em que
se dividem as opiniões e os publicitas acerca das funções do Estado no tocante
ao ensino: o conceito de um Estado Professor único, impondo ideias e sistemas,
repudiado por completo, em nossos dias; o conceito do ensino livre sem ingerência
alguma do Estado, que é o ideal pedagógico, mas de impossível aceitação no
Brasil, atentas às condições menos seguras do nosso meio social e de nossa
raça; e o conceito do ensino livre ao lado do ensino oficial, que é, por enquanto,
o que devemos adotar, sem prejuízo da nação e da liberdade. (BRASIL, 1918, pág.
485).
Assim,
em meio a divergências e contradições, os parlamentares envolvidos deram
continuidade as discussões em relação ao papel do Estado no desenvolvimento e difusão
do ensino primário, bem como em relação ao ensino secundário e superior, não enfatizados
neste trabalho. Convém mencionar que, ao fim do período analisado, ou seja, de 1907
a 1909, alguns integrantes da Comissão abdicaram do cargo e outros passaram a
se ausentar das sessões, o que enfraqueceu o projeto e dificultou as votações
das emendas.
Os
deputados sentiram-se fatigados com os intermináveis discursos que não encaminhavam
a um possível acordo; ao contrário, apenas faziam aumentar as divergências entre
os políticos. Dessa forma, em meio a tantos conflitos, o projeto chegou a ser considerado
“[...] enjeitado, abandonado, uma verdadeira salada de frutas” (BRASIL, 1918,
pág. 548).
Finalmente,
em junho de 1908, a redação final foi aprovada. A Comissão de Instrução emitiu
parecer, oferecendo algumas emendas. Contudo , o projeto Tavares Lyra foi arquivado
pela Comissão de Finanças dois anos depois. Este projeto, que consagraria, sem divergências
essenciais, as ideias por Tavares de Lyra esposadas, teve marcha muito demorada
e, chegando, em fins de dezembro, ao Senado, ai ficou sem andamento, em consequência
dos dissídios que precederam à crise política que assolou o Brasil em 1909.
Acabou-se
assim a reforma que Tavares de Lyra planejara; mas segundo suas palavras, retiradas
de um livro inédito: “Dias que passaram”: “malogrou-se sem sacrifício de muitos
de seus princípios basilares, pois alguns deles triunfaram em reformas
posteriores e ainda agora , – sete lustros decorridos –, é na divisão por que
me batera do curso secundário em dois ciclos, – um fundamental e outro
complementar –, que se busca solução acertada para o problema do ensino do
segundo grau” (LYRA, 1943b, pág. 8).
O
mandato ministerial de Tavares de Lyra foi muito visado pela oposição. Ele foi acusado
de gastar dinheiro, sem autorização do Congresso e de beneficiar familiares em empregos
federais, além de conceder benefícios de toda ordem aos aliados políticos no
Rio Grande do Norte. A essas acusações, respondeu em discurso no Senado.
Texto publicado originalmente no site do Instituto Pró-Memória de Macaíba, atualmente reformulado para Instituto José Jorge Maciel, em outubro/2007.
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