Estes fatos nada tiveram a ver uns com os outros. Não havia concatenação. Não existiu um movimento republicano lentamente elaborado no Brasil, que tivesse atingido o seu ponto de saturação no dia 15 de Novembro. Deodoro, provavelmente nunca ouvira falar de Beckman, nem mesmo corretamente da inconfidência mineira e se conhecia algo sobre as revoluções aludidas acima contra a Coroa, conhecia-as como estudante de História Militar. Que tenha havido alguns poucos republicanos autênticos, que procuraram, ao fazer a História do Brasil, ligar estes acontecimentos, com um dinamismo próprio do ideário republicano na nossa pátria, uma verdadeira evolução da idéia republicana, certamente existiram tais idealistas, mas foram, na realidade, românticos que não desceram das nuvens à terra.
Os inconfidentes, por exemplo, tinham, pouco apoio popular. Nem, conheciam fatos passados que, emergissem no Brasil como idéias republicanas. Além disto havia vários inconfidentes que eram monarquistas, desejavam a independência do Estado de Minas Gerais na forma monárquica de governo. Mas… não havia Príncipes; assim, o que fazer?
Os revoltosos de 1817 em Pernambuco assim como os 1824 eram movidos muito mais por nacionalismo do que por republicanismo – os de 1824 consideravam D. Pedro I mais português do que brasileiro.
O certo é que nunca houve no Brasil um processo histórico nacional republicano, que se originasse ainda nos tempos coloniais, passasse pelo Reino Unido e atingisse o Império.Não se pode negar que a partir de 1870, com a fundação, em Itú, do Partido Republicano, o seu ideário não tenha sido crescido, dado seus frutos. Entretanto esses frutos eram tão insignificantes que os republicanos jamais elegeram mais de dois ou três deputados em cada legislatura, mesmo possuindo o partido, diretórios em todas as províncias e na maioria dos municípios brasileiros.
Estamos defendendo o ponto de vista de que os acontecimentos do 15 de Novembro de 1889 foram mais importantes para o advento da República, do que tudo o que se tinha feito antes, simplesmente porque se algo foi feito pela República, antes do 15 de Novembro, seus autores foram os monarquistas e não os republicanos; portanto, não houve ação, e sim omissão e traição daqueles, que tinham como obrigação defender o Trono e não o fizeram, movidos por interesses econômicos feridos pela Lei Áurea – Estes Barões do Império foram muito mais culpados do que qualquer Benjamin Constant, Silva Jardim, Quintino Bocaiúva ou Aristides Lobo. Estes, chamados de republicanos históricos, perceberam que a guerra contra o Paraguai e o Abolicionismo, tinham gerado duas situações a eles favoráveis:
1. Os militares galardoados com títulos e comendas, durante o conflito platino, se sentiam importantes e consequentemente passaram a desejar participar na Política Imperial, o que contrariava a índole do Imperador e dos políticos que preferiam que cada classe “cumprisse o seu dever” e exercesse as suas funções precípuas: Os Militares para a defesa da pátria, do Imperador, da ordem pública e da Constituiçãoa; e o Monarca, os Gabinetes de Ministros e o Parlamento para governarem a Nação. Entretanto, não era isto que estava ocorrendo: os militares se imiscuíam na Política desejando dela participar ativamente, chegando a desobedecerem, publicamente, várias ordens do governo – não do Imperador, mas do Gabinete de Ministros do império – a esse respeito.
2. O abolicionsimo, cada vez mais defendido pela Família Imperial e de modo especial pela Princesa Isabel fazia nascer uma revolta silenciosa entre a Coroa e a maioria da Aristocracia Rural que só viam em seus escravos, fonte de lucros econômicos.
Em face a estas duas situações, qual seria a estratégia do punhado de “republicanos históricos”? Já tinham constatado pelos resultados das diversas eleições parlamentares realizadas anteriormente que a República jamais seria implantada do Brasil através do voto popular; então, teria que ser imposta pela força, pela força militar. A partir dessa constatação adoraram à doutrina positivista, pondo lenha na fogueira de discordâncias entre militares e governantes civis (gabinetes de Ministro), fazendo conchaves e prometendo grandes cargos e elevados salários aos mais fieis republicanos.
De igual modo, sabendo da revolta silenciosa da maioria da aristocracia rural contra o Trono, era só espicaçar o exército contra a Coroa, que esta não seria defendida pelos seus naturais defensores, a nobreza rural, já que o povo só reageria quando fosse tarde demais – em virtude das dimensões dos Brasil e da precariedade de comunicações. Por esta razão, os acontecimentos do dia 15 de Novembro de 1889 assumem uma dimensão especial no advento da República, pois a tal questão militar, como veremos, fracassara, e a questão escravocrata, se não fossem os acontecimentos do 15 de Novembro, acabaria se diluindo, pela acomodação da maioria da aristocracia rural, ao fato de não possuir mais escravos.
A questão militar só conseguirá derrubar um Gabinete de Ministros e não a Monarquia, como veremos a seguir:
Havia, sem duvida, uma indisposição entre os militares (principalmente os do exército) que desejavam participar da política e os governantes civis do Império que continuavam afirmando que os militares deveriam ocupar-se somente de suas funções constitucional: Defesa da pátria, do Imperador, da ordem pública e da própria Constituição.
Mas os republicanos continuavam com suas manobras de bastidores, espalhando boatos, fazendo intrigas, planejando derrubar o Império e implantar uma república idêntica aos Estados Unidos da América.
Assim, no dia 15, um grupo de republicanos procurou o Marechal Deodoro da Fonseca, em sua casa, onde acamado, se curava de diversas enfermidades dolorosas. Os republicanos pediram ao velho Marechal que se levantasse, se fardasse e montasse a cavalo, para comandar uma tropa, que cercasse o Palácio em que se reunia, na ocasião, o Gabinete de Ministros, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, e o derrubasse do poder, pois, diziam eles, “este governo estava ferindo seriamente o brio dos militares”. Deodoro podia não ser republicano, mas era mais militar do que monarquista. Jamais se oporia ao Imperador, a quem devia muito, mas aos “casacas”, como ele chamava aos políticos civis, era uma outra coisa.
Os militares encontravam-se ressentidos com atitudes dos Gabinetes de Ministros, urgia então fazer alguma coisa. Aceitou comandar a pequena tropa (os soldados por ele comandados e os poucos populares, que assistiram à pantomima, pensaram tratar-se de uma parada militar), cercou o Palácio, adentrou pessoalmente, teve um agressivo bate boca com o Presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, considerou-o demitido e preso, pela força das armas. Ao descer pela escadaria do palácio e novamente montado a cavalo e reassumindo o comando, teve entretanto, um gesto, que bem esclarece que a chamada questão militar não derrubaria o Trono. Á frente da tropa e obedecendo ao cerimonial militar de saudação ao Chefe de Estado, com o quepe erguido pela mão direita acima da cabeça deu um “viva ao Imperador”. A questão militar derrubara inconstitucionalmente o governo, mas não a Monarquia.
O Visconde de Ouro Preto, mesmo preso, teve autorização de telegrafar ao Imperador, que se encontrava em Petrópolis, pedindo uma descida ao Rio, a fim de reorganizar o Governo Imperial Parlamentar, já que o Brasil não podia ficar acéfalo. Isto também nos esclarece que, da parte da maioria dos militares, que Deodoro bem representava, não havia a menor intensão de proclamar nenhuma República. Aliás dias antes o Marechal escrevera a um sobrinho, na Bahia, dizendo: “No Brasil, república é sinônimo de desgraça completa”. Portanto, contrariando os historiadores que armam uma rede conectada de idéias e de homens, desde Beckman, ao decreto nº 1 da República de 15 de Novembro de 1889, passando poe diversas conspirações até a derrubada do gabinete de Ouro Preto, se formos estudar cada uma dessas manifestações de revolta, observaremos que:
1. Cada uma delas se explica por causas próprias, contemporâneas;
2. Não estão interligadas por uma mesma linha de pensamento que aos poucos teria evoluído;
3. Isoladamente, foram insignificantes, quase merecedoras de não serem mencionadas na História, exceção da “Guerra dos Farrapos”, que além de sua longa duração, constitui uma verdadeira guerra internacional, do Império do Brasil contra potências do Prata, que já naquela época (bem antes das intervenções brasileiras contra Oribe, Rosas, Aguirre e Solano Lopes) pretendiam incorporar o Sul do Brasil a elas (velho sonho do Império Platino) uma vez que os Bentos Ribeiros, estavam, consciente ou inconscientemente traindo o Brasil ao servir aos interesses platinos.
4. Essas conspirações só se destacam na História do Brasil pela vontade de historiadores republicanos, que foram descobrir no fundo do baú da História brasileira, estas quarteladas com as intenções de divorciar o povo brasileiro de uma de suas tradições mais orgânicas, naturais e autênticas que foi a Monarquia.
Assim, voltando aos fatos históricos do dia 15 de Novembro de 1889, únicos que realmente foram importantes para a instauração da República, dizíamos que Ouro Preto, mesmo preso, solicitou a presença do Imperador, que, de Petrópolis desceu calmamente para jogar água fria na fervura militar. O Brasil não podia ficar sem governo, isto era o mais importante. D. Pedro II, seguindo as normas parlamentaristas, reuniu-se com os políticos do partido majoritário, com a intenção de constituir um novo Governo.
O que viria a fazer com Deodoro que agira fora da lei, ficava para depois. No momento, o importante, era formar um Governo. Durante a reunião os deputados do Partido Majoritário sugeriram o nome de Gaspar da Silveira Martins. Este nome, entretanto, logo foi alijado, pois o político gaúcho viajara ao sul, para contatos com suas bases eleitorais. Por acaso, na sala de reuniões, provavelmente como oficial ajudante, encontrava-se o Major Sílon Ribeiro; este, um autêntico republicano. Conhecedor que era de rusga seríssima que havia entre Deodoro e Silveira Martins, teve ele uma idéia, que, no seu parecer, o qual estava absolutamente correto, seria a mola propulsora da Proclamação da República.
Quando Deodoro exercera o Comando Militar do rio Grande do Sul, Silveira Martins ocupara a Presidência da Província. Tornaram-se inimigos acírrimos, não só do ponto de vista político, mas principalmente no âmbito pessoal. Embora ambos fossem casados, nas horas vagas dispunham dos favores de uma mesma dama viúva. E, tudo indica… ela dava preferência ao Silveira Martins.Isto tudo rodopiou na cabeça do malévolo Major Sílon, que pedindo licença ao Imperador, retirou-se da sala e partiu a galope, com sua calúnia venenosa que definia-se em dois boatos maquiavélicos: “Que o Imperador nomeara Presidente do Conselho de Ministros ao Gaspar da Silveira Martins e que dera ordem de prisão ao Marechal Deodoro da Fonseca”.
Em sua casa, o velho Marechal recusara-se a assinar, peremptoriamente, ao decreto de Proclamação da República que uma dezena de republicanos já tinha redigido. Estes, não se conformando da “questão militar” não ter resultado na queda da Monarquia, não largavam a sombra do Deodoro, não saiam de sua casa, como que esperando um milagre, que mudasse a situação.
O que veio a acontecer, não foi o milagre esperado, mas sim, um artifício ardiloso, as mentiras do Major Sílon Ribeiro. Quando ele chegou à casa de Deodoro e transmitiu ao velho homem alquebrando pelas doenças, a notícia caluniadora e falsa, o militar derrotado pela vida, enfureceu-se e julgando que o Imperador fazia aquilo diretamente para feri-lo, destemperou em um grito aos líderes republicanos: “Dêem-me este papel” e assinou-o. Estava proclamada a República no Brasil. Quando a notícia verdadeira chegou, ele só pode dizer: “Tarde demais”. Para ele foi “tarde demais”. Para os brasileiros foi o entardecer da pátria.
E, de 1889 a 2015, se passaram 126 anos. 126 anos nos quais o Brasil tem palgo um alto preço por isso. A república presidencialista (pior forma de governo que existe na face do planeta, só funcionou nos Estados Unidos) não deu certo aqui - esperar que dê certo quando em mais de um século isso não aconteceu, é, no mínimo, ingenuidade extrema - , nem nunca vai dar, isso está mais do que na cara. O que começa errado tem como dar certo ? Claro que não...
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