Ruínas da Casa Grande, em primeiro plano na esquerda e da Capela, 1930.
A
história do Engenho Cunhaú se confunde com a história do Rio Grande do Norte,
remontando a 02 de maio de 1604, quando Jerônimo de Albuquerque Maranhão, Capitão-mor
do Rio Grande do Norte, fundador da cidade do Natal e Conquistador do Maranhão,
primeiro brasileiro nato a comandar uma esquadra naval, doou seus
filhos Antônio e Matias de Albuquerque Maranhão, uma sesmaria de cinco mil
braças quadradas (12.100 hectares), na várzea de Cunhaú, começando
d’onde entra a ribeira do Pequerí, e duas léguas em Canguaretama.
No
entanto, foi próprio Jerônimo quem construiu o engenho que tomou o nome de
Nossa Senhora das Cadeias de Cunhaú, segundo Borges da Fonseca, no ano de 1624,
e foi necessariamente o seu primeiro senhor e cuja morte e sepultamento se deu
na capela do engenho, no dia 11 de fevereiro de 1618. Foram seus herdeiros e
continuadores os ditos filhos Matias e Antônio. Em 1630 o Engenho Cunhaú produzia de 6 a 7.000
arrobas (88 a 103 toneladas) de açúcar, ali morando 60 ou 70 homens com suas
respectivas famílias. Era o principal núcleo econômico do RN.
A
capela edificada por Jerônimo de Albuquerque Maranhão, quando da fundação do
engenho em 1604, foi retratada pelo artista flamengo Frans Post, constando do
famoso livro Barléu, que trata do período em que o Conde João Maurício de
Nassau-Siegen governou o Brasil Holandês.
No
ano de 1625, alguns índios potiguares foram levados a Holanda onde descreveram,
entre outras terras, as várzeas do Cunhaú. Em relatório de 1638, João Maurício
de Nassau informa que o Engenho Cunhaú foi confiscado e vendido em 15 de junho
de 1637, ao Sargento-mor Jorge Garstman e ao Conselheiro político Baltazar Wyntges.
Narra
o historiador José Higino:
Vendido à o
senhor George Graesman, Sargento-Major, e Baltazar Wijntjes, da companhia o
engenho em Cunhaú, que pertenceu à Antonio de Albuquerque, junto com todas as
terras, plantações de cana, pastos, bosques, casas, e outros edifícios do mesmo
que pertenciam a Albuquerque, juntando a isso 30 negros e 20 pares de bois,
como hoje eles se encontram neste engenho ou à ele serão juntados. Os
compradores pagarão para isto uma soma de 60000 florins, que deverá ser pago em
seis pagamentos em seis anos consecutivos. O primeiro pagamento será em q de
junho 1638 e ultimo cairá em 1643, e cada pagamento será exatamente 1/6 do
total. Uma vez que os pagamentos tenham sido feito os compradores receberão uma
transferência que descreve o engenho e tudo que nele se encontra e os
compradores passarão à ser donos e mestres deste engenho. O que implica que os
compradores não estão mais obrigados a cumprirem com esta soma, com relação à
este engenho E tudo que nele se encontra, e em geral e sua pessoa, Im Solidum renuncirende Exceptie mibus ordines,
diviscores et excus siones, e todos os seus pertences deste momento e no
futuro, submetendo estes a todos os direitos e a justiça.
Ainda
em 1641, os moradores de Cunhaú requereram aos donos do engenho a construção de
uma nova capela em outro lugar, como segue:
Os moradores da
freguesia de Cunhaú requerem permissão para construir uma nova igreja visto que
a igrejinha que faz parte do engenho é muito pequena. Do outro lado Willem Becx
e Hugo Graswinckel, senhores do engenho supracitado, mostraram que seria
prejudicial para o engenho caso a igreja fosse construída em outro local como é
a intenção dos moradores. Assim foi decidido para a satisfação dos dois
partidos se apostilar este requerimento, que os habitantes tem permissão de
aumentar a igreja do engenho, mas que eles não podem construir uma outra igreja
em um outro local.
O
Sargento-mor e o Conselheiro venderam a propriedade a Willem Beck e Hugo
Graswinckel. Este, em 1642, vendeu a sua parte a Mathijs Beck. Em 16 de julho
de 1645, ocorreu o massacre dentro da capela de Nossa Senhora das Candeias de
Cunhaú, quando o engenho aparece, segundo Nieuhof, pertencendo a Gonsalvo de
Oliveira, sendo finalmente incendiado no dia 16 de maio de 1647.
Detalhe de um desenho de Fraz Post, encartado no livro de Barléus, onde aparece a capela e o engenho Cunhaú, em 1645.
Após
a expulsão dos holandeses, Matias de Albuquerque Maranhão retoma a sua antiga
propriedade. Casado com Isabel da Câmara foi sucedido por seu filho o Mestre de
Campo Antônio de Albuquerque da Câmara. Antônio faleceu sem sucessão e deixou Cunhaú
para seu sobrinho Luís de Albuquerque Maranhão, pois o seu irmão Afonso já era
falecido. A descoberta do inventário do mestre de campo, pelo pesquisador
alagoense Fábio Arruda, que me indicou a fonte, possibilitou introduzir essa
sucessão que até então não existia, nem mesmo para os autores clássicos.
Fato
é que Luís, embora casado, também faleceu sem sucessão e deixou Cunhaú para seu
irmão Gaspar de Albuquerque Maranhão, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real Portuguesa,
que ali vivia em 1758, transferindo ao seu filho André de Albuquerque Maranhão
a propriedade. André foi casado com Antônia Josefa do Espírito Santo Ribeiro.
Falecido em 1806, herda-lhe o Cunhaú o filho homônimo André de Albuquerque
Maranhão – Andrezinho de Cunhaú, martirizado em 26 de abril de 1817, sendo sucedido por sua mãe
Antônia Josefa, que faleceu também no dia 26 de abril de 1817, horas depois de
ter sido avisada da morte do filho.
O
engenho Cunhaú foi então novamente confiscado e vendido pelo governo provincial
a Vicente Ferreira Cardoso e Antônio Manuel Monteiro. Todos os homens da
família estavam implicados na Revolução de 1817, e foram presos. É ai que surge
a figura enérgica de D. Luzia Antônia de Albuquerque Maranhão, irmã de
Andrezinho, que arrendou a propriedade aos dois arrematantes e multiplicou a
fortuna, tocando os negócios da família até o retorno de seu filho Dendé Arco Verde,
que estudava na Europa, para assumir o engenho.
O
brigadeiro André de Albuquerque Maranhão Arco Verde é talvez o mais opulento
senhor da Casa de Cunhaú, sendo apontado pela tradição como a pessoa que vingou
a morte de seu tio Andrezinho, ao mesmo tempo em que foi um entusiasta pela
causa indígena, já naquele tempo, sendo nomeado pelo governo imperial, diretor
dos índios do RN. Com o seu falecimento em julho de 1857, o engenho Cunhaú
ficou sob os cuidados de Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, testamenteiro e
tutor dos filhos de Arco Verde: Luzia Antônia, Carolina Amélia, Afonso, Amélia
Carolina e as gêmeas Emília Idalina e Idalina Emília.
Amaro
Bezerra era também herdeiro de uma parte de Cunhaú via seu casamento com D. Maria
Cândida de Albuquerque Maranhão, irmã de Dendé. Assim, constituiu-se um
condomínio para a administração não só do Engenho Cunhaú como do espólio do
brigadeiro que englobava as terras de outros engenhos, a saber Outeiro,
Cruzeiro, Estrela, Ilha do Maranhão. Pouco a pouco os filhos do brigadeiro
Dendé Arco Verde foram se desfazendo de suas partes em Cunhaú.
Imagem original de Nossa Senhora das Candeias de Cunhaú, a imagem mais antiga documentada do RN, aqui chegou com a devoção de Jerônimo de Albuquerque Maranhão.
As
constantes desavenças em torno do espólio foi desestimulando os herdeiros em
continuar com o histórico solar de Cunhaú. Homem ligado a política, chefe do
Partido Liberal no Rio Grande do Norte, Amaro Bezerra não tardou em espoliar a
fortuna dos órfãos em proveito próprio. Segundo Câmara Cascudo:
Dr. Amaro
Bezerra conseguiu arrebanhá-la e hipotecou-a aos Parente Viana do Recife. Os
administradores do velho engenho eram de uma rapinagem sórdida (...) até as
telhas da capela de trezentos anos venderam para cobrir uma estribaria no
engenho Outeiro. O Dr. Amaro Bezerra foi alienando todo o patrimônio em que
pôde influir. (...) antes da hipoteca o Dr. Amaro vendeu, peça por peça, a
máquina perfeita que o Brigadeiro Dendé Arcoverde comprou no Recife. A capela
foi revolvida de baixo para cima à cata de ouro. Toda a portada de pedra caiu
sob as picaretas ávidas do tesouro escondido. Parte da casa-grande, sem
concerto nenhum, abateu. (CASCUDO, p.113, 2008).
Amaro
Bezerra faleceu em Niterói, Rio de Janeiro, no dia 23 de novembro de 1890. Sua
esposa e filhos o sucederam na meação que detinha no engenho Cunhaú. Eles
perderam, melancolicamente, a sua parte em Cunhaú, no ano de 1895, quando a
massa falida da casa comercial de Paula, Eloy & Cia., repassaram ao
comerciante do Recife Parente Viana, uma hipoteca no valor de 100 mil réis do
Dr. Amaro Bezerra, representada pelas terras.
No
dia 09 de novembro de 1893, Fabrício Maranhão encaminhou petição ao juiz de
direito da comarca de Canguaretama, Vicente Simões Pereira de Lemos, onde afirmava
ser consenhor do engenho Cunhaú, juntamente com Maria Fortunata Carneiro
Bezerra Cavalcanti, Manoel Caetano de Albuquerque Melo e o menor Amaro
Carneiro, esposa, genro e filho de Amaro Bezerra, residentes no Recife/PE;
Joaquim Francisco de Vasconcelos, residente no Bom Passar e outros.
Curiosamente,
o engenho Cunhaú passou a pertencer novamente aos Albuquerque Maranhão, só que
no ramo pernambucano da família de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e
nunca mais aos senhores hereditários. Parente Viana repassou sua parte do
engenho Cunhaú ao coronel Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão, em 1896,
tornando-se Cunhaú o fornecedor da cana para a usina Ilha do Maranhão.
Fabrício
e seu irmão Alberto Maranhão venderam o antigo engenho aos comerciantes
Francisco Ribeiro Bessa e Francisco Neri de quem o coronel Manoel Otoni de
Araújo Lima comprou, em 1919.
Manoel
Otoni de Araújo Lima construiu um novo engenho, não aproveitando as ruínas do
antigo, realizando a construção num local mais afastado da capela. Em 1920,
saiu a primeira safra de açúcar da propriedade.
O
engenho foi administrado por mais de 30 anos por Manoel Otoni, auxiliado por
seu filho Otávio de Araújo Lima, que em 1924 veio morar no engenho. Em 1929,
receberam em Cunhaú os escritores Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade, que
estava em visita ao Rio Grande do Norte. Manoel Otoni faleceu no dia 05 de
março de 1952 aos 53 anos. Em maio de 1953, Hugo de Araújo Lima assumiu o
comando da propriedade.
No
dia 03 de dezembro de 1969 o engenho moeu pela última vez. As grandes usinas
começavam a serem instaladas na região, comprando toda a safra dos pequenos produtores.
Em julho de 1970 foram vendidos os últimos 500 sacos de açúcar, com grande
prejuízo. Hugo de Araújo Lima faleceu no dia 25 de agosto de 1996, passando,
desde então, a responsabilidade pela propriedade a sua esposa e filhos, a
saber: Darcilia Dantas de Araújo Lima, Otávio, Ilca, Ilma, Suzana Maria e
Valério.
A História do Cunhau
ResponderExcluirmuito bom o texto .gostei muito.
ResponderExcluirbom dia,estou procurando detalhes ou a historia do engenho california que pertencia a Francisco Justino de souza e outro.Voce poderia me ajudar...mu e-mail marthadealbuquerque@gmail.com
ResponderExcluirArquivado para o projeto do livro
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