terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre Sophia A. Lyra

Julho de 1984, Sophia Lyra e Odiléia. (Foto: acervo Anderson Tavares)



Sophia Lyra aos 100 anos de idade em 2003. (foto: acervo Anderson Tavares)


Rio de Janeiro, 27 de julho de 2010. Colégio Sion. Chego ao encontro com Madre Carmem Maria Tavares de Lyra – aos noventa anos, encontra-se reclusa ao seu quarto. Pede para aproximar-me, logo observo que chora, a situação era um tanto embaraçosa para mim. O passado e o presente floriam no mesmo canteiro interiorizado em sua alma. Abraçando-me exclama: “meu filho, Sophia foi em paz! É a vontade de Deus!”.


Por um momento parei e compreendi a amargura de quem, por possuir alma, chora a morte de um ente por demais querido. Mas aprendi que uma perda assim tão amarga deve ser espiritualizada sem demora. Não há sabedoria na dor que mergulha para aprofundar-se indefinidamente na alma humana. Os mergulhos fazem a dor esquecer a luz do irrevelado onde imaginamos existir a verdadeira fonte da consolação.

Naquele instante fui surpreendido com a nota de falecimento de Sophia Augusta de Lyra Tavares – a escritora Sophia Lyra - no dia 09 de novembro de 2009, dois dias antes de completar 106 anos. Madre Carmem disse-me que ainda tentou nos avisar por telefone em Macaíba. Sem sucesso. Vi que o numero do telefone que ela dispunha era anterior ao atual.

Sophia Lyra foi um dos grandes nomes da literatura feminina do século passado. Filha primogênita do ministro Augusto Tavares de Lyra e de Sophia Eugênia de Albuquerque Maranhão, nasceu no Grande Hotel da Lapa, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, quando seu pai estava deputado federal pelo Rio Grande do Norte.

Em 1904, foi batizada na capela de São José na fábrica de tecidos pelo padre João Maria. Seu pai fora eleito governador do Estado. Aqui permaneceu com a família até 1906, quando Tavares de Lyra foi convidado pelo Presidente Afonso Pena para compor seu ministério.

Residiu na avenida Junqueira Ayres, em casa ainda hoje existente, pertencente a Arquidiocese de Natal. Curiosamente, são desta época às memórias mais antigas que Sophia Lyra nos apresenta em seu livro sobre o pai: “(...) Mamãe contou-me que houve festa ao jovem governador que se despedia de sua terra para assumir a pasta da justiça e negócios interiores. (...) Eram foguetórios, vivas, músicas, cantos e... bumba-meu-boi. Aí entram minhas vagas lembranças esclarecidas por mamãe. Só me lembro bem da “burrinha”, de papai livrando-me dos arrancos do personagem e do lenço grande e colorido de vovô Pedro Velho”.

Retornando ao Rio de Janeiro, foi educada inicialmente por seu pai Tavares de Lyra, que, segundo Sophia ensinava: “brincando e educando”, ou “aproveitava a vida cotidiana para tudo esclarecer, diretamente”. Ou ainda, durante os passeios em família, instruía a filharada apresentando os lugares históricos do Rio de Janeiro e indicando livros a respeito dos fatos.

Ainda criança, Sophia Lyra e os irmãos já sabiam citar diversos nomes ilustres ligados à história de cada Estado, bem como decorava e declamava versos nas reuniões familiares. Em março de 1908, entrou para o Colégio Notre Dame de Sion. No colégio, Sophia divide a carteira com a amiga Lúcia Miguel Pereira, futura escritora, biografa de Machado de Assis. Já adolescente, Sophia Lyra era convocada pelo pai apresentar críticas as conferências e discursos paternos.

Concluído o curso de humanidades, em 1918, Sophia A. Lyra manifestou seu objetivo de estudar arquitetura; Tavares de Lyra foi contra e proporcionou-lhe aulas particulares de Filosofia, História da Igreja, Idioma Nacional, Italiano, Inglês, Alemão, Francês, Desenho, Pintura, Piano, Solfejo, Canto, Harmonia, Gravura, Artesanato e Enfermagem Básica.

Em 08 de setembro de 1924, casou com o primo paterno Dr. Roberto de Lyra Tavares (*1902 +1982), filho do senador João de Lyra Tavares e de Rosa Amélia da Silva de Lyra Tavares (*1874 +1951), uma das “Rosas de Neves” descritas, tempos depois, por Sophia em seu livro. Seu marido, Roberto Lyra, foi ministro da Educação e Cultura de João Goulart, na fase parlamentarista de seu mandato, durante o gabinete de Brochado da Rocha. No início de sua carreira, Sophia Lyra desvendava-lhe os mistérios da língua Alemã, traduzindo textos que ele usava em suas defesas do júri.

Destas núpcias nasceram Sophia Rosa de Lyra Tavares (*1925 +1927), falecida infante, de pneumonia, alguns dias antes de surgir a penicilina, e Roberto de Lyra Tavares Filho (*1926 +1986), falecido solteiro, advogado, filosofo do direito, poliglota, poeta e tradutor que ao falecer era catedrático da Universidade de Brasília.

Em 1928, ao mesmo tempo em que cuidava do filho e auxiliava o marido nas traduções, Sophia Lyra dedica-se à pesquisa para preparação de trabalhos literários e históricos. Suas pesquisas pessoais levam-na a empreender viagens ao Uruguai, à Argentina e ao Chile. Posteriormente, vai à Europa e, na Itália, em Portugal e na França, aprofunda suas pesquisas.

O ano de 1957 marca o inicio de sua produção literária. Neste ano é lançado o livro: “Assis, Luminosa e Ardente Clareira de Paz”. Em 1958, retornou à Europa para aprofundar pesquisas em Portugal e na França. O mesmo ocorreu no ano seguinte, 1959, demorando-se mais em Portugal.

Sua bibliografia completa é composta das seguintes obras: Assis, luminosa e ardente clareira de paz (1958), O sétimo centenário de um terceiro franciscano – Dante Alighiere (1965), Igrejas de Portugal (1966), Natal à franciscana (1966), Madre Joana – A Angélica (1968), Tupi para Juristas (1969), Os franciscanos e as rosas (1970), O maior e o melhor dos Lyras (1973; 2 ed. 1974), Rosas de Neve: como eram as mulheres no começo do século (1974), Conquistas da mulher em todos os tempos (1976), São Francisco de Assis e o Brasil (1978), Vida íntima das moças de ontem (1980), Grandes Mulheres, 2 volumes, 2001-2003. Além desses livros, Sophia Lyra deixou trabalhos inéditos.

A professora Arisnete Câmara afirma que a importância da análise do livro: Vida íntima das moças de ontem “reside no seu aspecto histórico e memorialístico, através do qual a escritora constrói uma configuração, representando as tensões e os elos mutáveis de interdependência próprios da sociedade brasileira, durante o período investigado. Ou seja, evidencia os mecanismos que enunciam e representam os papéis da mulher na sociedade, fazendo sua própria história”.

Já o professor Roberto da Silva, analisando o livro Rosas de Neve: como eram as mulheres no início do século, destaca: “indo além dos limites aparentemente impostos pelo subtítulo desse livro, D. Sophia A. Lyra nos apresenta um vivo painel desse temps jadis. Em meio aos retratos das mulheres por ela vivificadas, d. Sophia nos informa, além da toalete, quais os tecidos, as cores da moda, as obras dos autores então em voga, como eram constituídos os currículos escolares, confrontando-os com o da época da elaboração do seu livro e apontando as respectivas vantagens e desvantagens, ela nos fala da música popular e da música erudita, de cantigas e de modinhas, dos artistas em evidência, dos repertórios teatrais, dos jogos infantis, dos folguedos (ela nos brinda com na marcação de uma quadrilha, nomeando, comme il faut, todos os movimentos em Frances), com detalhes”.

Aos 81 anos, em julho de 1984, Sophia Lyra visitou o Estado do Rio Grande do Norte, demorando-se nas cidades de Natal, Parnamirim e Macaíba. Na capital, percorreu várias instituições culturais acompanhada do então presidente da Fundação José Augusto, Valério Mesquita e da então prefeita de Macaíba, Odiléia Mércia da Costa. Em Parnamirim, foi a uma feira que reuniu no Parque Aristófanes Fernandes as prefeituras do RN com estandes mostrando seus artesanatos.

Na cidade de Macaíba reviu nossa família e esteve em nossa casa, e eu aos quatro anos tenho nítidas na memória, sua imagem sentada na sala de visitas revendo velhos álbuns familiares. Foi ao cemitério público visitar o túmulo dos seus avós Cel. Feliciano Pereira de Lyra Tavares e Maria Rosalina de Albuquerque Vasconcelos. Foi ainda na igreja matriz, na prefeitura, na câmara de vereadores e almoçou na residência de Valério Mesquita. Seu derradeiro compromisso no Estado foi visitar Luis da Câmara Cascudo, acompanhada de minha tia Joana, de mim e da sua secretária.

Em 17 de dezembro de 2004, consegui com a Câmara de Vereadores da Macaíba que a fizessem Cidadã Macaibense, o que foi um orgulho para ela, já aos 101 anos! Telefonou-me agradecendo e irmã Carmem Tavares de Lyra me escreveu com igual objetivo. Fui seu representante na sessão de recebimento do título. Hoje escrevo estas linhas para contribuir com a difusão de sua memória para nos tão cara.

Um comentário:

  1. Olá Anderson, como de costume, estou sempre pesquisando e lendo seus artigos no blog "história e genealogia". Sou realmente facinado por assuntos que envolvem as ilustríssimas famílias Alburquerque Maranhão, Pedroza, Tavares de Lyra, entre outras. Gostaria aqui de tirar uma dúvida com você. Estou precisando saber, o ano aproximado da construção de uma belíssimo sobrado na hoje, Av Câmara Cascudo. O sobrado é o que atualmente abriga o Solar João Galvão de Medeiros. Eu tenho várias fotos desse trecho da então Av Junqueira Aires. Tenho 1 foto de 1905 e outra de 1904. Nas duas fotos o sobrado aparece. Nessa residência também morou o ex-governador Augusto Tavares de Lyra? Ela é de antes de 1900? Um abraço!!!

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